As portas fecham-se
E as janelas abrem-se.
No entanto as paredes continuam a suportar
o peso do telhado.
Foi pregando até chegar a uma parte da tábua
onde, devido aos nós, a madeira era mais rija. Os pregos não entravam
facilmente, então foi necessário aplicar mais força. Puro engano.
Devia saber, ou lembrar-se, que não se
martela com mais força, a cabeça de um prego junto à qual está a cabeça de um
dedo. O resultado pode ser…
Tinha agora tempo para pensar. A quantidade
de pessoas que já estavam à espera na sala de espera, quando chegou, não
deixava margem para optimismo.
Talvez que o problema fosse dos sonhos. Mas
não, não podia ser, não acreditava nisso. A verdade é que nos últimos tempos
tinha sonhado várias vezes com martelos. E agora, zás, acontecia-lhe um azar
com um martelo.
Não podia ser, repetia para si próprio.
Tantas vezes que sonhara em ganhar o euromilhões, e até agora nada, continuava
a pregar pregos na vida.
A vida, a sua, era uma sucessão de sonhos
pegados. E não só de noite, de dia, sobretudo de dia, também sonhava, e nada
lhe acontecia, nem só um se tinha tornado realidade.
Portanto, a relação entre sonhar com martelos
e dar uma martelada num dedo só podia ser coincidência.
Ah, as coincidências. Tantas que já lhe
tinham acontecido. Como a martelada por exemplo. Se tivesse tirado o dedo um
instante antes nada disto lhe teria acontecido.
Chamaram agora mais uma pessoa. A vida, ali
dentro daquelas paredes, corria devagar. Tinha tempo para pensar nas muitas
tábuas que tinha para pregar, nas muitas construções que tinha para erguer, nas
muitas coincidências que tinha para enfrentar.
Custasse o que custasse, o telhado não
podia desabar.