Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

O que é nacional será bom?


Histórias reais, num país surreal.

Em meados da década de oitenta, no auge da minha carreira atlética, fui de férias a Andorra e trouxe um relógio de pulso Casio com cronómetro, quase topo de gama, por uma ninharia. Passado cerca de um ano a pilha gastou-se e quando o abri vi, para meu espanto, que a pilha tinha um formato oval, coisa que eu não conhecia.
Não encontrei nenhuma loja que tivesse aquele tipo de pilhas. Através das páginas amarelas, encontrei o representante da Casio em Portugal. Para minha surpresa, só me vendiam a pilha se eu tivesse comprado o relógio num revendedor oficial e tivesse a factura de compra.
(Continua)

Mais ou menos por essa altura comecei a dar os primeiros disparos fotográficos com uma velhinha Minolta SRT-101 do meu pai, comprada em 2ª mão numa loja da Rua Nova do Almada que entretanto já não existe porque ardeu no incêndio do Chiado. Como nem sabia para que serviam aqueles botões todos, tentei arranjar um manual da máquina (na altura aquele modelo ainda era comercializado). Novamente através das páginas amarelas encontrei o representante da Minolta. Não tinham e mesmo que tivessem não vendiam nem davam, foi a resposta.
(Continua)

Sou um fã incondicional dos Tantra, banda portuguesa dos anos 80. Tenho apenas dois discos de vinil, mas sei, através de pesquisa na net, que têm mais. Há alguns anos encontrei uma página da banda e através de email perguntei como poderia adquirir os restantes discos. Até hoje não recebi resposta nenhuma.
Mais recentemente a banda juntou-se com outra formação e editou novos discos. Vi um por acaso e comprei. No interior tinha novos contactos e voltei a fazer a mesma pergunta sobre como comprar os discos antigos.
Mais uma vez não recebi nenhuma resposta. Curiosamente recebi durante muito tempo emails (uma espécie de mailing list) de Guilherme Luz, um dos novos membros, relativos a um seu projecto pessoal.

Através do meu irmão ouvi excelentes elogios a um guitarrista que ele tinha ouvido várias vezes ao vivo, de nome Ruben Monteiro. Na net encontrei várias referências não só ao próprio como também às suas diversas bandas, Alluminia, Rainforest, e mais recentemente Albaluna. Concretamente o álbum da banda de rock Alluminia interessava-me ter, e como tanto o músico como a banda mais recente (Albaluna) têm página no facebook fiz a invariável pergunta de como adquirir o disco. Mais uma vez a resposta até agora foi zero.

Agora vem a gota de água, que fez transbordar o vasilhame e que me levou a escrever este texto. Nem é por estar tempo de chuva, porque gotas há muitas, nem porque o caso seja particularmente gravoso, é só mesmo porque se acabou a paciência para este tipo de situações.
Quis comprar, para oferecer a uma aniversariante, um livro lançado pela editora Letras Voadoras. Mais uma vez, armado da minha inseparável estupidez natural foi à página do facebook e fiz a ingénua pergunta de saber se existe alguma loja física que venda o livro ou até, se por acaso eles o vendiam directamente caso eu me deslocasse lá pois por coincidência resido na mesma localidade.
Já a senhora festejou o seu aniversário, e quanto à resposta nem vê-la.

Foda-se. Quem se deve estar a rir com isto deve ser a Natália Correia, que assim vendeu mais um livro.

O que é estrangeiro é indubitavelmente bom. Porque, em contrapartida, em relação a pessoas (sim, são as pessoas que fazem as empresas!) estrangeiras, passou-se o seguinte:

(Continuação) Já em desespero por não poder utilizar o meu belo relógio, lembrei-me de procurar nas lojas de indianos (na altura não havia lojas de chineses) que havia no Martim Moniz. Para quem não conhece, o Largo de Martim Moniz é uma praça de Lisboa que tinha uma área comercial que o “progresso” e o “desenvolvimento” deitaram abaixo. E não só tinham pilhas iguais às que eu precisava, como, vejam bem, ainda me venderam uma. No fundo era para isso mesmo que ali estavam: para vender.

(Continuação) Trabalhei durante alguns anos, novamente durante a década de oitenta, com aparelhos de telex. Tinhamos uma espécie de páginas amarelas mundiais de endereços de telex. Eram vários volumes tipo lista telefónica, que, se colocados lado a lado em cima de uma secretária ocupavam o tampo quase todo. Um dia lembrei-me de ver a morada da sede da Minolta no Japão e escrevi-lhes. Na volta do correio tinha em casa um belo envelope em papel de arroz, trazendo no seu interior o manual da máquina e uma carta a agradecerem-me por ser seu cliente.

Gosto muito, mas mesmo muito, da Joan Baez, quer pelas suas qualidades de compositora e intérprete, quer pelo seu papel de activista. Tenho vários discos dela (em vinil), mas há dois, “Gulf Winds” e “Where are you now my son?” que de tanto tocarem estão já praticamente imprestáveis.
No tempo da super, hiper, mega lenta internet através de linha telefónica, não tinha conhecimento de esses discos terem sido reeditados em CD, mas encontrei uma vez a página de um clube de fans algures na América e mandei-lhes uma mensagem.
Nem vão acreditar se eu lhes disser que me responderam. Confirmaram-me que esses discos não tinham sido reeditados em CD (até essa altura, uns anos depois finalmente vieram a sê-lo), e pasmem-se, pediram-me a morada e prontificaram-se a enviar-me uma cassete (alguém ainda se lembra ou sabe o que isso era?) com os dois discos, gravados um de cada lado da cassete, acrescentando que, se eu quisesse, podia enviar-lhes dois dólares para ajudar nas despesas de envio.
Eles cometeram uma ilegalidade, ao fazerem uma cópia pirata dos discos e eu cometi outra ilegalidade ao enviar-lhes duas notas de dólar dentro de uma carta. Resta-me acrescentar que pelo tempo que a correspondência demorou, sei que enviaram sem terem ainda recebido a minha carta com o dinheiro, e quando eu recebi a deles verifiquei pelos selos que pagaram mais do que aquilo que eu lhes enviei.

Recentemente deu-me para tentar ser músico. Podia dar-me para pior. Os preços dos instrumentos nas lojas portuguesas são para quem é músico e não para quem quer ser músico, como é o meu caso. O que equivale a dizer, que, para mim que quero apenas aprender, acho-os caros.
Enquanto nos nossos supermercados temos iogurtes e shampôos de marca branca, eu encontrei uma loja de música em Inglaterra com instrumentos de marca branca, portanto muito (quando digo muito, é mesmo muito) mais baratos que as marcas tradicionais Yamaha, Casio, Roland, etc., e comprei-lhes um teclado, que até tem a excelente particularidade de tocar.
A compra foi feita pela internet e o envio foi feito pelo correio. Ao chegar a encomenda o aparelho no interior tinha o plástico, pela parte de baixo, partido. Apenas isso, nada que afectasse o desempenho ou o som.
Ao acusar a recepção, e ao mencionar o estado da entrega, apenas pediram para enviar fotos do aparelho e da embalagem e prontificaram-se logo a enviar outro, sem sequer querem a devolução do primeiro.
É claro que fiquei cliente e até já lá fiz mais compras.

Quanto a perguntas e respostas, estamos esclarecidos. E também sobre as qualidades ou ausência delas de certas “vedetas” e “empresários” nacionais.
A partir de agora eu é que vou passar a ignorar certas marcas, produtos e empresas.

Actualização (em 19 Fevereiro 2014):
"Não há regra sem excepção" diz o ditado. E, sendo assim. é de toda a justiça referir aqui uma excepção que me esqueci de mencionar quando escrevi este texto.
Estou a falar dos Corvos, a banda portuguesa de instrumentos de cordas, que tiveram a amabilidade de me responder, e que graças a essa resposta tive a oportunidade e o prazer de ver ao vivo embora em condições um pouco precárias (foi num encontro de motards). Nada do outro mundo, apenas faz com que tenha vontade de os voltar a ver, porque eles merecem e porque a música o justifica..