Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.

domingo, 14 de dezembro de 2014

O menino a quem contaram histórias



Os olhos semicerrados devido à claridade intensa estavam fixos no vazio. O infinito, se é que existe, devia ter mais conteúdo do que aquilo que tinha à sua frente: água e mais água, sempre vazia, sempre em movimento, e um espaço a que chamam céu, imenso, vazio, apenas preenchido com a com a azul.

Não é que esperasse encontrar ali alguma coisa. Ao fim deste tempo todo já não esperava encontrar nada. E no entanto...

Tinham-lhe contado tantas histórias sobre o infinito. E também sobre a eternidade. A eternidade está para o tempo como o infinito está para o espaço. Mas seria mesmo assim?

Quem lhe contou estas histórias contou-lhe muitas outras que se revelaram mentira, porque é que estas haveriam de ser verdadeiras?

Quem lhe contava histórias de igualdade sentia-se superior às demais criaturas.

Quem lhe contava histórias de amor odiava tudo o que fosse contrário aos seus princípios.

Quem lhe contava histórias de paz fazia a guerra a quem quisesse ser livre e independente.

Quem lhe contava histórias sobre o valor do conhecimento falava-lhe de pregos para ocultar a sua ignorância sobre parafusos.

Sim, tudo o que lhe contaram era mentira.

A eternidade de facto não existe, o fim já não andará muito longe.

Tirou o chapéu e com as costas da mão limpou da testa os pingos de suor devido ao calor.

Estava na hora de regressar, já ali estava à bastante tempo. Com algum custo curvou-se e apanhou a bengala caída na areia. Apoiando as mãos na pedra onde se sentara fez força para ajudar o corpo a erguer-se.

Deitou um último olhar ao vazio que tinha diante de si, e murmurando entre dentes “Infinito? Bah...” deu meia volta e afastou-se coxeando.