Estava-se bem ali ao Sol e abrigado da
aragem, porque apesar do dia claro, era Primavera e portanto a temperatura não
era muito elevada.
Tão bem que até se esquecia que tinha que
ir preparar o almoço e já passava do meio dia.
Estava sentado no banco de pedra com a
guitarra sobre uma das pernas e em luta com as cordas porque When I’m 64 dos
Beatles não havia maneira de sair direito. Não tinha ainda sessenta e quatro,
como na letra da canção, mas não faltava muito, e talvez fosse por isso, talvez
fosse já velho demais para aprender alguma coisa nova.
Sobrepondo-se ao som das notas ouviu o som
de passos sobre a gravilha, que se aproximam, e levantou os olhos do braço da
guitarra.
Com o Sol pela frente distinguia apenas uma
silhueta feminina, que avançava devagar e parou junto ao pequeno portão.
Reconheceu-a pela voz quando ela o cumprimentou.
Fez-lhe sinal para entrar, pousou a
guitarra e foi ao seu encontro.
- Joana, és mesmo tu? Que fazes por aqui?
Há quanto tempo não nos víamos, cinco anos, seis anos…?
À sua frente tinha um rosto triste que se
esforçava por sorrir. Cumprimentou-o com dois beijos, baixou a cabeça e disse:
- Tens razão, há muito tempo que não nos víamos,
já perdi a conta.
Avançou até ao pequeno banco de pedra,
sentou-se, olhou em volta e continuou:
- Já me tinham contado que tinhas mudado
para aqui, mas nunca arranjei um bocado de tempo para vir até cá.
- Já aqui estou vai para cinco anos. A casa
tem telefone, e eu também, respondeu.
Baixou a cabeça novamente e ficou em
silêncio por uns instantes. Por fim disse:
- Eu sei, desculpa. Sabes, procurei-te hoje
porque preciso de ajuda, vou deixar o António, aliás já deixei, e não tenho
para onde ir, tens algum canto onde eu possa ficar durante uns tempos?
Foi a vez dele ficar em silêncio. A vida
não parava de o surpreender. Sabia perfeitamente que resposta ia dar, só não
tinha a certeza é se essa resposta seria a mais certa. Do meio do nada o
passado surge-lhe à frente, um passado que ele tentava esquecer.
Ninguém sabia, ninguém podia imaginar o
quanto a tinha desejado no passado, e sem sucesso, pois ela rejeitara-o. Tantos
anos já passaram…
Habituou-se a viver sozinho, a usufruir da
liberdade de poder fazer o que quisesse da vida sem ninguém à volta a contrariá-lo
ou a quem tivesse que dar satisfações.
Estaria preparado para perder, ainda que temporariamente,
essa liberdade, para ter novamente alguém em casa?
Tanto quanto ele julgava conhece-la, sabia
que ela não queria nada consigo, foi mesmo a necessidade de ajuda que a levou
até ali.
Pela sua parte, achou-se velho demais para
ter a veleidade de voltar a pensar nela outra vez. Há dez anos desejara-a
loucamente e fora rejeitado. Aprendera a lição. Era muito mais fácil conseguir tocar
a música dos Beatles.
Ia ajudá-la com toda a certeza e melhor
seria que ela recompusesse a sua vida o mais rapidamente possível de modo a que
cada um voltasse a seguir o seu caminho.
Por fim olhou-a nos olhos e disse em tom
levemente irónico:
- Sabes bem que te ajudo no que precisares,
eu arranjo-te um quarto onde possas ficar à vontade enquanto precisares, só não
sei é como uma senhora da cidade se vai adaptar ao campo. Mas primeiro, quem precisa
de ajuda sou eu, estava aqui distraído com a música e não preparei o almoço,
ajudas-me na cozinha?