Há coisas de que nos esquecemos, há outras
de que não nos queremos lembrar. Ficam todas arrumadas na memória num local
chamado ontem.
O ontem da memória é equivalente ao amanhã
da vontade: amanhã faço, amanhã começo, amanhã digo. Um local imaginário
povoado de sonhos ou fantasmas, conforme os casos.
Contráriamente ao que está por vir, o que
já aconteceu por vezes vem-nos à lembrança da forma que menos esperamos.
Tentava esquecer-me dela. Não havia motivo
nenhum para me lembrar de nada simplesmente porque não havia nada para lembrar,
tudo tinha sido um erro.
De repente, enquanto andava pela rua fora,
escorrego, quase caio, e antes de dar com o nariz no chão vejo a cara dela ali
à minha frente. Era imaginação a cara, mas a queda foi bem real. Tudo porque
debaixo do sapato estava a origem da escorregadela e da lembrança, uma flor que
alguém largara no passeio, e que eu, distraído como sou, pisei.
A flor era igual a uma que eu em tempos lhe
dei, e por isso me lembrei dela. Fazemos coisas estúpidas, tentamos esquecer e
depois vem um azar qualquer e trás tudo à memória.
Quanto à flor, o destino desta não foi
muito diferente do destino da outra.