Olhava como se quisesse dizer alguma coisa,
mas que pode um urso dizer? E mesmo que pudesse, quem o iria entender?
Talvez outro urso, se o houvesse. Mas não
havia, a jaula pertencia-lhe por inteiro. E continuava a olhar, fitava cada par
de olhos que o olhava do outro lado das grades. E o que via, além da
superioridade inerente a quem se julgava superior, era o inconfessável alívio
cobarde de quem se encontrava do outro lado de um fosso com vários metros de
altura e ainda por cima com grades.
Os olhos saltavam de um para outro rosto, que
passavam indiferentes.
Às vezes cansava-se de andar de um lado
para o outro dentro da jaula, uma das poucas coisas que podia fazer, e então
deitava-se a um canto, com o focinho apoiado nas patas da frente, e ali ficava
a olhar sem ver nada.
Havia uma árvore, lembrava-se bem. Ficava
no caminho do rio e era um dos seus locais favoritos, até que se transformou no
seu pior pesadelo. Um dia ao passar por ela, sentiu uma picada forte e caiu
adormecido. Acordou com a trepidação e o barulho do camião que transportava a
sua jaula por uma estrada esburacada de terra batida.
Sabia que os ursos e as ursas não têm nomes,
mas para si ela era a Daisy, e era com ela que costumava ir à procura de mel.
Que lhe teria acontecido? Ainda pensava
nele? Também teria sido apanhada ou continuaria livre a procurar mel? Se calhar
com outro companheiro…
Dizem que os ursos não choram. Claro que
choram, só que ninguém sabe porque ninguém percebe nada de ursos. Às vezes de
medo do humano, o pior predador da terra, outras vezes de ódio.
Estava numa jaula, logo tinha razões para
ter medo. Não percebia é porque é que os humanos tinham medo, se até agora nunca
tinha feito mal nenhum. Talvez estivesse na altura de começar….
Pensando bem, quando conseguisse apanhar o
tratador, ia começar por lhe dar umas dentadas.
Por certo que viriam logo outros e armados
com espingardas. Disparariam de certeza. Talvez lhe tirassem a vida.
Esta vida? Pois que lha tirassem, não a
queria para nada.