Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.

domingo, 28 de agosto de 2016

O urso


Olhava como se quisesse dizer alguma coisa, mas que pode um urso dizer? E mesmo que pudesse, quem o iria entender?
Talvez outro urso, se o houvesse. Mas não havia, a jaula pertencia-lhe por inteiro. E continuava a olhar, fitava cada par de olhos que o olhava do outro lado das grades. E o que via, além da superioridade inerente a quem se julgava superior, era o inconfessável alívio cobarde de quem se encontrava do outro lado de um fosso com vários metros de altura e ainda por cima com grades.
Os olhos saltavam de um para outro rosto, que passavam indiferentes.
Às vezes cansava-se de andar de um lado para o outro dentro da jaula, uma das poucas coisas que podia fazer, e então deitava-se a um canto, com o focinho apoiado nas patas da frente, e ali ficava a olhar sem ver nada.
Havia uma árvore, lembrava-se bem. Ficava no caminho do rio e era um dos seus locais favoritos, até que se transformou no seu pior pesadelo. Um dia ao passar por ela, sentiu uma picada forte e caiu adormecido. Acordou com a trepidação e o barulho do camião que transportava a sua jaula por uma estrada esburacada de terra batida.
Sabia que os ursos e as ursas não têm nomes, mas para si ela era a Daisy, e era com ela que costumava ir à procura de mel.
Que lhe teria acontecido? Ainda pensava nele? Também teria sido apanhada ou continuaria livre a procurar mel? Se calhar com outro companheiro…
Dizem que os ursos não choram. Claro que choram, só que ninguém sabe porque ninguém percebe nada de ursos. Às vezes de medo do humano, o pior predador da terra, outras vezes de ódio.
Estava numa jaula, logo tinha razões para ter medo. Não percebia é porque é que os humanos tinham medo, se até agora nunca tinha feito mal nenhum. Talvez estivesse na altura de começar….
Pensando bem, quando conseguisse apanhar o tratador, ia começar por lhe dar umas dentadas.
Por certo que viriam logo outros e armados com espingardas. Disparariam de certeza. Talvez lhe tirassem a vida.
Esta vida? Pois que lha tirassem, não a queria para nada.