A mola azul, farto das desilusões da vida
reciclacidou-se, atirando-se de cabeça para dentro do contentor amarelo.
O plástico transformou-se numa bela
esferográfica, com que um amante platónico escreve cartas nunca respondidas.
A mola propriamente dita, o arame, faz
agora parte do interior de um colchão de molas, pomposamente chamado de
ortopédico, colocado no quarto duma pensão a que a modernidade e a fiscalização
agora chamam motel, publicitado em cartazes de rua e na rádio local com a frase
“mesmo em dias secos, todos os sonhos são molhados”.
A mola laranja foi levada pelo marido da
dona, empresário desonesto cujo sucesso medíocre se deve à utilização de
esquemas perfeitamente legais. Repousa agora no escritório, a um canto da
secretária, prendendo entre os dentes meia dúzia de papéis, os assuntos
pendentes.
Escritório esse onde o empresário come as
senhoras da contabilidade.
Ironia do destino, o empresário frequenta
frequentemente o motel onde jaz o resto da mola azul, para comer as secretárias
e as meninas do departamento de marketing.
(Parte 4 de 4 da trilogia "O senhor dos arames")