Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.

sábado, 4 de outubro de 2014

A escada de acesso


Ia a meio da escada, ofegante. A inclinação não era muita, o peso da mala que carregava e cujas rodas estavam partidas é que dificultava o seu avanço.
De repente a porta abriu-se e ela apareceu, puxando também por uma mala. Pareceu ficar surpreendida por o ver chegar ou talvez ficasse surpreendida por ele a ver a partir. Deu um jeito no casaco e no cabelo, deitou a mão à porta como se a fosse fechar, mas retirou-a ao fim de uns segundos de hesitação, virando-se então para a frente e aguardando que ele acabasse de subir o que faltava da escada.
A surpresa era mútua. Também ele estava surpreendido por a ver sair da casa de hóspedes com uma mala, como se fosse partir. Ia partir, de facto, embora tivesse acabado de chegar. À última hora mudou de opinião.
Chegado ao último degrau inclinou-se para a frente para a cumprimentar com um beijo mas ela recuou. Desculpou-se de olhos postos no chão, sem o encarar de frente, dizendo que não podia ficar, tinha sido um erro, tudo desde o início tinha sido um erro. Contornou a mala dele que atravancava o caminho e começou a descer a escada.
Ainda ergueu um braço, com a mão aberta e os dedos estendidos e trémulos como se a quisesse agarrar, ao mesmo tempo que da boca entreaberta começou a sair um nome, mas depressa baixou o braço e fechou a boca. Não valia a pena.
Ficou a vê-la afastar-se até desaparecer no fim do caminho, depois pegou na mala, entrou na hospedaria e após as formalidades foi para o quarto que tinha marcado.
Da janela não se via grande coisa, apenas os telhados das outras casas, uma parte da muralha da vila e o céu azul com algumas nuvens. O único movimento eram os pardais e os pombos que por ali esvoaçavam e ficou ali a vê-los.
Vendedor de cafés de profissão, fazia esta zona há vários anos. Tinha-a conhecido há alguns meses na vizinha cidade das Caldas, era empregada de um estabelecimento seu cliente. Tinham combinado passar o primeiro fim de semana juntos.

Afinal tudo não passara de um erro. Sim, ela tinha razão, como geralmente as mulheres têm, tudo desde o princípio tinha sido um erro. Ele é que ainda acreditava que as coisas eram o que pareciam ser.