Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Uma rua da minha infância


A rua talvez não levasse a nenhum lado, a nenhum sítio onde lhe interessasse ir, mas por curiosidade seguiu por ali fora.
Apesar de nunca ali ter estado, a rua recordava-lhe uma outra, na aldeia, onde o levavam algumas vezes nas férias. O mesmo traçado sinuoso, o mesmo empedrado, o mesmo tipo de janelas.
Sempre tivera muita curiosidade em descobrir o que estava para além de uma rua. Na idade de estar na rua, estar na rua era um luxo raro, e descobrir-lhe o fim era o supra-sumo da sensação de liberdade.
Era perigoso, diziam-lhe. Podia perder-se, ou até mesmo sujar os calções. Pela maneira como o diziam achava que as duas situações tinham o mesmo grau de gravidade.
Lembrava-se da primeira vez que fora até ao fim de uma rua. De repente acabaram as casas e em frente o grande vazio. Um campo imenso cheio de ervas que lhe pareciam daninhas, de mato assustador cheio de picos, de árvores dispersas às quais não sabia atribuir nome, até onde a vista alcançava, o cume de uma serra perdida na linha do horizonte.
Voltara para trás com medo de se perder. Ou de sujar os calções.
Não chegou sequer a sentir o cheiro do campo. O odor da lavanda, entranhado na roupa, no corpo, nas mãos que tinha de lavar com frequência, para não estarem sujas, não deixava sentir mais nada.
Enquanto caminhava, no fundo dos seus pensamentos desejava que a rua desembocasse num campo aberto.
Tarde, muito tarde, descobrira o cheiro do campo.
Tarde mais ainda a tempo.