Curvei-me para a frente e prendi melhor os
atacadores dos sapatos, que estavam soltos. Assim não corria o risco de
tropeçar quando saísse dali. Voltei a endireitar-me lentamente até sentir de
novo as costas apoiadas no banco onde estava sentado. Com os olhos percorri
todo o espaço envolvente, à procura de algo que prendesse a minha atenção.
Nada. Os atacadores tinham sido o último pormenor digno de nota. Tudo o resto
já estava mais que visto, há tanto tempo que me encontrava aqui.
Voltei a cabeça e encarei-a. Os olhos
denotavam o cansaço de quem está farto de esperar. Tudo o resto era imobilidade
absoluta, excepção feita aos cabelos que esvoaçavam quando uma brisa mais forte
os agitava.
Por momentos pareceu-me que ia abrir a boca
e dizer algo mas, pura ilusão, nem um só músculo se mexeu. É verdade que eu
também tenho estado calado, mas por fora, por dentro e para dentro tenho
conversado bastante, o suficiente para me manter desperto.
Olhei-a mais uma vez e interroguei-me se
ela também falaria sozinha, para dentro. É daquelas coisas que devem parecer
óbvias a toda a gente, é claro que todos falamos sozinhos, mas no caso dela,
talvez por preconceito, tive dúvidas.
A raiz do meu pensamento foi cortada pelo
aviso da chegada do comboio, através da instalação sonora. Tive vontade de me
levantar de um salto mas não o fiz pois poderia parecer que estava impaciente
pela chegada do comboio. Não estava. Estava impaciente sim mas por ali estar.
Não queria estar ali, mas os outros comboios da vida, os urbanos e suburbanos,
deixaram-me na plataforma dos de longo curso. E sem bilhete. Eu não ia
embarcar.
Não era eu que ia embarcar. Era ela.