Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A Primavera e outras estações de comboio


Curvei-me para a frente e prendi melhor os atacadores dos sapatos, que estavam soltos. Assim não corria o risco de tropeçar quando saísse dali. Voltei a endireitar-me lentamente até sentir de novo as costas apoiadas no banco onde estava sentado. Com os olhos percorri todo o espaço envolvente, à procura de algo que prendesse a minha atenção. Nada. Os atacadores tinham sido o último pormenor digno de nota. Tudo o resto já estava mais que visto, há tanto tempo que me encontrava aqui.
Voltei a cabeça e encarei-a. Os olhos denotavam o cansaço de quem está farto de esperar. Tudo o resto era imobilidade absoluta, excepção feita aos cabelos que esvoaçavam quando uma brisa mais forte os agitava.
Por momentos pareceu-me que ia abrir a boca e dizer algo mas, pura ilusão, nem um só músculo se mexeu. É verdade que eu também tenho estado calado, mas por fora, por dentro e para dentro tenho conversado bastante, o suficiente para me manter desperto.
Olhei-a mais uma vez e interroguei-me se ela também falaria sozinha, para dentro. É daquelas coisas que devem parecer óbvias a toda a gente, é claro que todos falamos sozinhos, mas no caso dela, talvez por preconceito, tive dúvidas.
A raiz do meu pensamento foi cortada pelo aviso da chegada do comboio, através da instalação sonora. Tive vontade de me levantar de um salto mas não o fiz pois poderia parecer que estava impaciente pela chegada do comboio. Não estava. Estava impaciente sim mas por ali estar. Não queria estar ali, mas os outros comboios da vida, os urbanos e suburbanos, deixaram-me na plataforma dos de longo curso. E sem bilhete. Eu não ia embarcar.
Não era eu que ia embarcar. Era ela.