Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.
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quarta-feira, 12 de abril de 2017

Na beira do Lago Azul


Havia uma cadeira. Era quanto bastava. O resto improvisava-se.
A cadeira arrastava-se até à beira da água. Duas pedras, colocadas por baixo dos pés da frente, uma de cada lado, ajudavam a contrariar a inclinação do declive, mantendo o assento o mais direito possível. Outras duas pedras, grandes, ajudavam a segurar o chapéu de sol, que o chão era duro e difícil de perfurar.
Estava montado o cenário. Agora era só sentar e ficar ali a tarde toda a ler, com os pés a chapinhar na beira da água.
A tarde toda não que de vez em quando era preciso levantar para reabastecer de cerveja.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

O lago dos pássaros delirantes


Uniram-se todos. Uns com o bico, outros com as patas, agarraram as nuvens e estenderam-nas no chão. Queriam o Sol, o vento, o céu todo, tudo, sem restrições.
Humanos não eram bem vindos. Quando podiam cagavam-lhes em cima. Quando não, escondiam-se quando os queriam fotografar.
Alimentavam-se do ar e da esperança. Minhocas e sementes eram só para entreter o estomago.
Voavam sim, mas isso não era o maior feito que conseguiam. O mais importante de tudo, e que aconteceu quando pela primeira vez saltaram do ninho, é que perderam o medo. Foi isso que os tornou livres.


quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O lago dos sonhos


Trazia tudo preparado, a corda, a pedra. Só lhe restava esperar. Chegou, olhou em volta lentamente como quem admira a paisagem, encaminhou-se para um banco de jardim vazio e sentou-se.
Do banco de jardim vazio o seu olhar vazio percorreu o espaço vazio que o rodeava. Viu a Lua subir lentamente acima do horizonte, viu os patos a entrar e a sair da água, viu um bando de gaivotas a voar em círculos, viu um melro a saltitar sobre a relva à sua frente. Uma das vezes que apareceu quase pousou na ponta do seu sapato, de tão imóvel que estava.
Quando lhe pareceu que já estava escuro o suficiente e que mais ninguém andava por ali, levantou-se e encaminhou-se para a beira do lago. Tirou a pedra do bolso e atou-lhe a corda. Depois pegou nos seus sonhos e atou-os à outra ponta da corda. Fazendo pontaria àquilo que lhe pareceu ser a parte mais funda do lago, atirou o conjunto todo com quanta força tinha.
Enquanto regressava a casa pensou: Pronto, já está! Com sonhos destes quem é que precisa de pesadelos?


sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O lago


Caminhei um bocado ao acaso por entre as árvores. Ouvia apenas os meus próprios passos, o chapinhar dos patos no lago, o canto dos pássaros voando de ramo em ramo, um grilo distante, o vento agitando as folhas.
Sentei-me à beira do lago quando encontrei um local que me pareceu confortável, tanto quanto um pedaço de chão o pode ser. Uma erva que podia à vista desarmada confundir-se com relva cobria a terra, enquanto a árvore que ali crescia tinha o tronco torcido, com uma inclinação que me permitia encostar como se estivesse reclinado num sofá.
Vim depois a descobrir que o conforto era só aparente, e devido à dor nas costas, rapidamente mudei de posição: inclinei-me para a frente, coloquei os cotovelos sobre os joelhos, apoiei o queixo nas mãos e ali fiquei.
Lembrava-me de a ter levado ali uma vez. Foi à muito tempo. Na altura não falávamos muito, sentámo-nos algures por ali, e ficámos a ver a água. Passado um bocado tirou os chinelos, levantou-se e foi molhar os pés entrando devagar pela água, quase até aos joelhos.
Já eu imaginava que se iria transformar em sereia e encantar-me, e eis que volta para trás e acabou-se o encanto: queria ir embora porque a água estava fria e gelaram-se-lhe os dedos.


segunda-feira, 30 de junho de 2014

O lago


Havia uma lenda muito antiga que falava de um lago. Tão antiga que ninguém sabia a origem ou quantos anos tinha.
No fundo é o que acontece com todas as lendas. Sabe-se que existem mas ninguém sabe mais nada acerca delas.
É uma forma bastante prática de espalhar histórias que, se fossem contadas a sério, seriam tomadas como mentiras. Assim, sendo lendas, já podem ser levadas a sério.
Não falando, é claro, da vantagem que é o desconhecimento da sua origem, um eufemismo para a cobardia do anonimato.
Voltando à lenda do lago, dizia-se que, quem entrasse nele sairia de lá molhado. Isto era contado de geração em geração, quando todos se sentavam à volta da fogueira em noites quentes de lua cheia, e com um tom de voz tão aterrador que ninguém se atrevia a aproximar-se, temendo apanhar até um simples salpico.
Porém um dia, alguém resolveu debruçar-se sobre o assunto. E chegou à conclusão que era absurdo. Resolveu então dirigir-se à multidão para contar a sua descoberta.
Mal começou a falar foi imediatamente linchado e atirado ao lago. Nem teve tempo de explicar que era absurdo de tão natural que era o facto de alguém se molhar ao entrar em contacto com a água. Que era uma forma de impedir, pelo medo, que as pessoas usassem e gastassem e usufruissem da água e do lago.
Sem querer transformou-se ele próprio numa lenda. Uma lenda morta. A de que quem se molhar na água do lago, morre afogado.
Esta, e muitas outras lendas, persistem até aos dias de hoje.