Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Alvorada


Não havia muito a fazer senão esperar. O dia estava quase a chegar e com ele a luz do Sol, e com a luz do Sol o calor que aquece os corpos enregelados por uma noite de Outono na planície alentejana.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Capuchinho vermelho


Não disse uma palavra. Virou as costas e afastou-se embrenhando-se no escuro do bosque onde acabou por desaparecer de vista.
Foi ter com o lobo mau.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Os loucos de Lisboa


Os loucos de Lisboa têm uma coisa em comum com os loucos de qualquer outra terra: são loucos.
Só assim conseguem sobreviver a este mundo de loucos.


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Ascensão


Há quem suba e não vá ter a lugar nenhum. Na escada como na vida.
Mas, e quantos o reconhecem?
Sendo visto em cima fica-se com um ar tão superior...

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Nevoeiro


O nevoeiro é um véu que a Moura Encantada, a Senhora da Floresta baixou sobre o seu rosto para que o viajante desconhecido não confundisse o brilho dos seus olhos com o Sol.


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Realeza


- Jeremias!
- Jeremiiiiiiiiiiiiiiiiiiias!!!!
- Vossa Alteza chamou?
- Três vezes te chamei, homem!
- E onde estais, Senhor?
- Aqui detrás desta moita, trás papel e limpa-me o cú que me borrei.


domingo, 22 de fevereiro de 2015

Paciência


Às vezes perdemo-nos no espaço e então procuramos o tempo. Há sempre um tempo para tudo até para nos encontrarmos.
Outras vezes perdemos o tempo e só nos resta procurar o espaço, porque há sempre um espaço onde há tempo para tudo.
Quando tudo parece igual, monótono, repetitivo, é uma questão de paciência, até encontrarmos o que procuramos.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Troquei as cordas pela percussão


                  O antes                                     e o depois

Esta semana a música foi outra. Troquei as cordas da guitarra pela percussão do martelo. E tive mesmo que dar umas boas marteladas para a coisa não ficar muito torta.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Todas as cores numa só noite


É como se de repente uma tampa se abrisse e de dentro da caixa saltassem mil foguetes que enchessem o ar de todas as cores. 
Não necessariamente com esta exuberância, mas está lá tudo, basta apenas olhar e ver.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O furo


Subiu os degraus dois e dois enquanto a respiração aguentou. Quando a língua se recusou a entrar na boca novamente, passou a subi-los um a um, até ter a sensação de que todo o ar que havia na imensa escadaria não lhe chegava aos pulmões. Nessa altura teve que parar e encostar-se à parede por uns instantes até a respiração acalmar um pouco, o suficiente para lhe permitir voltar a subir a escada, mas desta vez a passo de caracol e com a ajuda das mãos agarrando-se ao corrimão.
Quando finalmente entrou na sala, deixou-se cair pesadamente na cadeira, que só a muito custo conseguiu aguentar com os seus noventa quilos. O barulho que todas as suas juntas fizeram não augura nada de bom para a próxima vez que tal peso lhe voltar a cair em cima. Já muito aguentou ela ao longo dos anos.
Tirou um lenço da algibeira para limpar o suor que lhe escorria pela cara, e enquanto isso olhou rapidamente para o relógio na parede. Sim, estava quase na hora da edição da tarde e estava atrasado.
Pegou numa folha e introduziu-a na máquina. Os dedos começaram a percorrer o teclado com uma agilidade que poderia surpreender quem não o conhecesse e fizesse juízos errados baseando-se apenas na sua figura, ao mesmo tempo que o tec-tec das teclas invadiu a sala.
Quando lesse, o chefe não poderia deixar de o promover, pensou.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A casa


Passei apenas para ver e já mal a conhecia. Está diferente. As paredes estão maltratadas. As janelas que antes tinham portadas agora têm grades ferrugentas. Onde antes havia telhado, agora vêm-se passar as nuvens de dia e as estrelas à noite. O interior é um emaranhado de ervas e arbustos que impedem a passagem.
Foi ali que te conheci, mas a verdade e´que hoje já não te conheço. Tal como a casa, mudaste, embora não o quisesses aceitar. E à custa de argamassa, reboco e pintura, mudaste de novo. E cola, muita cola para segurar tudo aquilo que vai caindo.
Sim, mudaste e eu já não te conheço.
A casa, porém, está lá.
Tu, não.
Nem eu.


terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A vontade


Assim, de repente, só lhe apetecia ficar ali parado, a ver o tempo passar.
Mas não era possível fazê-lo para sempre.
Era preciso descruzar aos braços.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Por entre montes e vales


Há sempre um caminho que conduz a novas descobertas. Mesmo diante de obstáculos, sabemos que do outro lado da linha do horizonte a vida continua.
Só temos que a procurar. Quem sabe se não é a nossa.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Apita o comboio


Era domingo, era verão, era meio dia. Àquela hora, com aquele calor todo, ninguém estava a trabalhar nos campos em redor. Reinava pois o silêncio, apenas interrompido pelo chilrear dos pássaros, que para esses não havia meio dia.
Na gare da estação apenas um passageiro, que se mantinha também ele em silêncio. Não tinha com quem falar, é certo, mas mesmo que houvesse mais alguém é provável que se mantivesse calado. Os pensamentos prendiam-lhe a atenção. Fazia planos. Tentava imaginar como seria quando estivesse longe dali.
Não é que houvesse muitas coisas para planear, porque quando se dispôs a partir, preparou as coisas com calma e sem sobressaltos, no fundo quilo era uma mudança e não uma fuga.
Os pensamentos que agora tinha eram uma forma de manter o cérebro ocupado para não pensar nela e na possibilidade de a encontrar. Havia muito poucos comboios naquela terra e quis o destino que partisse no comboio em que ela ia regressar. O comboio ao domingo tinha apenas duas carruagens, pelo que havia cinquenta por cento de probabilidades de a enfrentar cara a cara quando o comboio parasse.
Oficialmente não sabia que ela ia regressar porque ela não lho disse, soube-o por intermédio de outras pessoas. Era suposto que, caso a visse, mostrasse surpresa, mas sabia que se isso acontecesse não ia conseguir fingir.
Vindo do nada, ouviu-se à distância um apito do comboio. Lentamente levantou-se, pegou na mala, a única que tinha e sem olhar para trás aproximou-se da beira da estação. Uma ideia veio-lhe  nesse momento à cabeça: se alguma vez lhe perguntassem de onde vinha, em vez de dizer “Casal do Monte”, que era o nome correcto, diria “Casal do Monte das Desilusões”.
Era mais apropriado.


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Decrépito


Dos fracos não reza a história.
Deste forte reza a história que ao longo dos anos conheceu várias utilizações.
Agora não tem nenhuma, está ao abandono.
Um país rico poderia dar-se ao luxo de abandonar equipamentos obsoletos.
Ironia do destino, está num país pobre que não tem dinheiro para o recuperar.
Não é por falta de dinheiro, porque mesmo um país pobre, tem dinheiro aos milhares de milhões.
É mesmo porque não tem dinheiro para o recuperar porque o dinheiro serve para outras coisas, como por exemplo isentar de taxas clubes de futebol ou festivais de rock.
É isso que rende (dinheiro e votos), que aparece na televisão. Qual era a estação de televisão que iria filmar numa terra onde o rio acaba e o mar começa?
Ah, mas é preciso ir buscar dinheiro a algum lado. Agora vão aplicar tarifas nas panelas do cozido nos Açores. Mas não é uma tarifa qualquer. Os empresários da panela pagam menos do que as pessoas particulares.
Que país de merda.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Para além da grande nuvem


- Uma vez foste por ali fora e eu fui atrás de ti, lembras-te?
- Sim, és mesmo idiota.
- Não sei o que me passou pela cabeça, quando te vi ir em direcção ao mar.
- Além de idiota não tens confiança em mim; como se eu fosse fazer alguma coisa…
- Eu sei, desculpa. Não te queria perder, era só isso.
- Estragaste-me o meu momento. Tudo o que eu queria era poder sentar-me ali e ter o tempo e o espaço todo para mim, ficar sozinha com o infinito à minha frente, apenas com a companhia das gaivotas, do vento, dos salpicos das ondas. Na altura fiquei a detestar-te, sabias?
- O que te fez mudar de ideias?
- Tenho frio. E não tarda está a chover, olha só aquelas nuvens. Vamos para dentro do carro.
- Não respondeste à minha pergunta.
- Tenho as mãos geladas, vês? Oh, mas as tuas estão quentes, como consegues com este frio? Aquece-me, anda. Se fico aqui mais tempo ainda me constipo, eu nem devia ter vindo porque já me doía um pouco a garganta e…


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Chuva


Chuva e Sol ao mesmo tempo e nem um bocadinho de arco-íris.
Isto é que vai uma crise.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

A velhice


Os sintomas são vários e amplamente reconhecidos. O mais óbvio mas também o menos importante é o bilhete de identidade. Temos depois o cabelo branco ou a ausência de cabelo, as rugas, as doenças que vão batendo à porta e por aí fora.
Nada disto me preocupa muito, é o normal. O que me chateia mesmo é o pijama. Uma vida inteira a dormir de t-shirt e de cuecas e a partir de certa altura tenho que comprar um pijama e dormir com meias porque já não dá para aguentar o frio.
Isto sim, é frustrante.


domingo, 8 de fevereiro de 2015

O farol


Há uma luz lá ao fundo. O que não há é túnel. Mas isso também não interessa nada.
Segue-se a luz lá ao fundo, mesmo que não seja ao fundo do túnel e pronto.
É a luz que interessa, não o túnel.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Um pouco mais de sol e era verão


Eram horas de me levantar. Começava a sentir o rabo molhado com a humidade da areia. Não falando do frio que começava a sentir. O Sol já tinha baixado para além das rochas da costa e o areal estava à sombra.
Não foi muito produtiva a minha ida até à praia. Sossego é uma palavra que conheço do dicionário. Talvez que se eu tivesse dinheiro para comprar um bilhete só de ida para Timbuctu pudesse encontrar sossego. Mas aqui, no meio da merda…
E quando falo em merda, é merda mesmo: cagalhões, fábricas de cagalhões com pulgas e donos das fábricas de cagalhões com pulgas.
Três vezes merda.


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

As mãos nos bolsos


O tempo só passa a correr para quem não tem tempo.
Quando se tem tempo, o tempo passa devagar. Tão devagar que por mais devagar que se vá chega-se sempre a tempo.


O fim do dia


O dia estava quase a ir-se embora.
Estavas quase a ir embora.
Lançou um último raio de luz por sobre as rochas.
Lançaste um último olhar sobre o teu ombro.
Sobre a linha do horizonte já só se viam uns restos de luz.
Sobre a soleira da porta já só se via a tua sombra.
Em breve as trevas da noite.
Em breve o silêncio da solidão.
É preciso sair antes que a maré suba.
É preciso fugir antes que a raiva aumente.
O fim do dia é o princípio da noite.
O fim da tua presença é o início da tua ausência.
À noite todos os gatos são pardos.
À noite todas as gatas têm mais de sete vidas.
De manhã vem a luz que traz um novo dia.
De manhã vem a esperança que traz uma nova vida.
You’re so vain,
You probably think this song is about you,
Escreveu a Carly Simon
You’re so vain,
You probably think I compare you to the Sun,
Escrevo eu.


quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A birra do morto


5 de Março de 2015 é uma data a marcar nas vossas agendas.
Não comam nem durmam nem façam mais nada para estarem presentes às 21 horas.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A ventania


Agitam-se as bandeiras e os pendões.
Notas agudas soam aos ouvidos, vindas de um trompete invisível.
Espera-se, olha-se, espreita-se. Nada.
Mas, afinal não vai passar alguém importante?
Não, os alguéns importantes deste mundo agora fazem-se anunciar pelas sirenes da polícia.
É o vento, senhores. O vento que à sua passagem tudo faz tremer, criando ilusões de óptica e produzindo sons de uma sinfonia sempre inacabada.


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Carneiros


Há cada vez mais carneiros neste mundo.
Não bastavam os carneiros-carneiros e as pessoas-carneiros, agora também há as gaivotas-carneiros.
Volta Fernão Capelo, estás perdoado.


domingo, 1 de fevereiro de 2015

Debaixo do mesmo tecto


Não estava frio nem calor. Estava uma daquelas temperaturas que tanto podiam dar para uma coisa como para outra.
Não era cedo nem tarde. Era uma hora em que ainda se podia fazer muita coisa, ou que talvez já não desse para fazer nada.
Não chovia nem fazia sol. Talvez o tempo se aguentasse se as nuvens passassem ao largo ou talvez chovesse a cântaros se o vento as empurrasse na direcção errada.
Não apetecia ficar nem sair. Não havia nada para fazer ali nem havia nada que apetecesse fazer lá fora.
Não queria falar nem calar-se. Não queria que o obrigassem a contar nem queria que o impedissem de se expressar.
Não sabia se rir ou chorar. No futuro, de cabeça fria, talvez achasse graça, mas agora não tinha graça nenhuma.
Assim, ficaram ali os dois debaixo do mesmo tecto, cada um a dar corda aos seus próprios pensamentos, até que o destino que ali os juntou, os voltasse a separar.