Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Semi cru


Já havia o semi frio. Eu acabei de inventar o semi cru.
Não sei como é que estas coisas acontecem comigo. Só pode ser culpa do forno.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Ao luar


Do norte vinha a massa de ar que enchia de frio a escala do termómetro. De nordeste vinha o vento que fazia enregelar o mais espesso agasalho. Do alto vinha a chuva que molhava até aos ossos.
Indiferente à chuva, ao vento e ao frio, um ser minúsculo na imensidão das ruas vazias caminhava agarrado a um guarda chuva que já conhecera melhores dias e ameaçava a todo o momento transformar-se num morcego com uma só asa e sair voando ao sabor das rajadas de vento.
A parede junto da qual passava protegeu-o temporariamente do vento o que lhe permitiu segurar o guarda chuva com uma só mão, enquanto a outra tirava o telemóvel do bolso do casaco, apenas para verificar que, segundo o Sports Tracker, ainda lhe faltavam sete minutos de caminhada.
Estava quase.


quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O cogumelo trá-lá-lá


Todos os cogumelos são comestíveis.
Alguns é que são tão gananciosos, tão gananciosos, que não dão hipótese a que se coma mais nenhum.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Este chão que piso



O caminho é feito de avanços e recuos. Por vezes pára-se, outras vezes vira-se para algum dos lados em busca de outra direcção. Ao certo não se sabe quantas vezes já passámos pelos mesmos sítios, quantas vezes já vimos os mesmos locais, quantas vezes já cumprimentámos as mesmas caras.
E os pés continuam, passo atrás de passo, como se as solas fossem eternas, como se o destino não pudesse ser encontrado aqui e agora e tivéssemos que caminhar para o encontrar.
Em todo o caso sempre são mais os avanços do que os recuos.


segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Os patins


Ontem foi dia de patins. A dobrar. Aqui e na Grécia, houve quem levasse um par de patins.
Je suis grego.

domingo, 25 de janeiro de 2015

O principio

                              Foto: Wikipédia

O dia de hoje marca o princípio da esperança para milhões de pessoas, e o princípio do medo para os que até agora sempre viveram à custa da desgraça alheia.
A mentira e a chantagem funcionaram até agora, de que é exemplo o recente referendo escocês. Mas nada dura para sempre e um dia perde-se o medo.
O dia foi hoje.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Abóboras no telhado


Quando falo em abóboras no telhado refiro-me a abóboras no telhado mesmo, não ao livro com o título homónimo de Aquilino Ribeiro.
Um telhado é um óptimo sítio para secar abóboras, mesmo que seja para turista ver, como é o caso destas abóboras na Aldeia da Mata Pequena em Mafra.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A vareta


A vareta é um instrumento muito útil. Se usado correctamente faz-nos sentir bem
Quando aponta para baixo não tem qualquer utilidade, molhamo-nos todos.
É quando está ao alto que a sua verdadeira função se desenvolve, protegendo-nos da chuva e evitando assim que apanhemos um resfriado, que causaria sem dúvida muitas dores de cabeça.


quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Passo


Passo.
Mas não passo despercebido, porque há sempre algo que fica para trás, mesmo contra vontade ou inconscientemente.
Passo.
E apesar de insignificante para o mundo, foi um grande passo para mim, pois assim me aproximei mais do meu objectivo.


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Uma luz ao fundo da nuvem


O problema não é ela não ter vindo. O problema é eu esperar que ela viesse.
A culpa mais uma vez é minha, se eu não esperasse nada dela, não estaria agora ali à espera.
O que havia a fazer, portanto, era deixar de esperar. Só tem um problema: é difícil.

Sim, é difícil, mas como já tinha passado por outras dificuldades semelhantes, sabia que apesar das nuvens negras há sempre uma luz ao fundo da nuvem.
E para lá da nuvem...

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A zona de conforto


O problema principal nem é tanto o frio. É claro que é importante e é um factor a ter em conta, mas a sensação que se tem desse mesmo frio varia muitas vezes em função de vários factores.
O vento por exemplo faz muitas vezes parecer estar mais frio do que na realidade está. E a humidade, sobretudo junto ao mar, também.

Um barrete na cabeça e uma manta pelas costas são por isso essenciais para se desfrutar em pleno da zona de conforto. É que não existe maior conforto do que estar onde se quer estar e de fazer o que se quer fazer.
Há quem lhe chame liberdade.



domingo, 18 de janeiro de 2015

A caminhada III


E pronto! Algum dia tinha que ser. Foi ao 46º dia que falhei e não fiz a minha caminhada diária. Foram 45 dias seguidos a caminhar sem ir a lado nenhum.
O objectivo agora é recomeçar de novo e ultrapassar essa marca. 
Um dia, quem sabe, talvez caminhe para ir a algum lado.

A ausência da caminhada não foi no entanto a única particularidade negativa no dia de ontem. Não arranjei tempo nem vontade para a minha prática diária de guitarra. 
Foi um dia de mudança. Mudança em relação ao passado recente. Porque mudou a parte mais importante que podia ter mudado: o pensamento.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

A memória tem destas coisas


Era uma simples caminhada ao longo da costa. Parava, ficava ali uns minutos especado a ver o Sol descer lentamente sobre o horizonte, caminhava mais um pouco, parava de novo, voltava a caminhar, e assim sucessivamente ao longo de algumas centenas de metros.
Quando parava podia observar a paisagem toda em redor, porém ao caminhar tinha que olhar apenas para o chão. Estava farto de tornozelos torcidos e roturas de ligamentos. É que o caminho não era nada fácil: terra batida, pedras, buracos, regos da água da chuva, ervas, mais pedras, mais buracos…
Foi depois de caminhar mais uns metros que parei, levantei os olhos, e quando esperava voltar a ver à minha frente apenas mar, linha do horizonte e o Sol quase a pôr-se, que a vi.
Não, não vi nada, apenas pensei que a vi, tal a semelhança do aspecto da paisagem. Entre mim e a linha do horizonte um arbusto feito de ramos sem folhas, atrás do qual ninguém se podia esconder, mas onde ela fingia que se escondia de mim.
Lembras-te, estupor?
Agora não estava ali ninguém, era apenas a minha memória a pregar-me partidas.


quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Entre duas águas


Por entre a água do mar e a das nuvens, passa a luz do Sol que se despede de mais um dia. A sua luz era necessária, pois há uma busca em curso. Mas a escuridão é mais necessária ainda, porque serve para manter o ciclo imutável e interminável dos dias e das noites, fundamentais para a manutenção da existência.

(Praia das Maçãs, durante as buscas pelos pescadores desaparecidos no naufrágio)

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

A árvore e a floresta


Não é bem uma floresta mas é parecido, é apenas um grupo de árvores. Lá no meio, mais ou menos no meio, tem uma árvore. Claro que tem mais do que uma árvore, mas tem uma em especial. Uma árvore que tem um tronco. Todas as árvores têm um tronco, mas aquela tem um tronco grande. Há muitas árvores que têm troncos grandes, mas aquela, que tem um tronco, que é grande, que está mais ou menos no meio de um grupo de árvores que parece uma floresta, é especial porque tem uma flor. E de asas abertas.


segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A liberdade e a expressão


Sempre foi assim. Há os uns e os outros. Há os que têm direitos e os que têm deveres. Já no tempo do Neolítico havia os chefes das tribos e havia o pessoal das tribos.
Hoje em dia as diferenças não só se ampliaram infinitamente mais como se estenderam a todos os sectores. Qualquer posiçãozinha de merda é logo alvo de abuso de poder, sendo usada para autopromoção de quem a detém.
E depois há os que se acham no grupo dos “uns” e que julgam ter o direito de dizer “não faço”, e acham que os restantes pertencem ao grupo dos “outros” e têm o dever de andar contentes e felizes.
Vamos a ver até quando.


domingo, 11 de janeiro de 2015

O Silêncio


Caiu o pano. No sentido figurado, pois não havia pano. Isso não impediu no entanto que o silêncio e a escuridão se instalassem.
Perfeito. É a melhor maneira de começar de novo!

sábado, 10 de janeiro de 2015

Ensaios abertos e representações fechadas


Ensaios abertos e representações fechadas são as minhas especialidades.
São as minhas especialidades porque foi a única coisa que fiz, nunca fiz mais nada.
Só que um dia…
A vontade morreu. Bem estrebuchou mas, puseram-lhe por cima a tampa do caixão.
Sem luz e sem ar, adormeceu num instante.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

A caminhada II


23H43. Eis que chego finalmente à minha realidade virtual. Depois de ter chegado a casa às dez e meia, de ter jantado e de ter feito a minha meia hora diária de caminhada. 
Quem não devem estar nada satisfeitos devem ser os accionistas da sociedade filarmónica.
- O quê? Este gajo ainda fica com 17 minutos do dia para ele próprio? Deve ter saído mais cedo hoje.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Amarras


- Amarras?
- Amarro.
E amarrou. Assim que o costado encostou ao cais saltou para fora, puxou da corda e enrolou-a com mestria ao cunho mais próximo, segurando a embarcação. Todos pudemos então sair em segurança.

Estava terminada a parte mais fácil da viagem. A mais difícil vinha a seguir: entenderem-se numa terra estranha, cheia de preconceitos em relação a diferenças culturais.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O crepúsculo


A luz do crepúsculo ilumina apenas vagamente o caminho.
É preciso parar, fazer uma pausa antes de avançar. Pelo seguro.
Demore o tempo que demorar, outra luz virá.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A escada de acesso


Não se sabia bem aonde conduziam aqueles degraus. Uma lenda muito antiga dizia que quem fosse por aquela escada acima havia de subir na vida.
A rir estarão certamente os duendes que habitam esta floresta e que habitualmente se escondem por trás das folhas e dos troncos. A rir dos incautos, que fiados na lenda, sobem sabe-se lá com que esforço a escada, pensando que chegados ao cimo terão subido na vida.
Bem, e não é que subiram mesmo?
Mas… e para que? O que ganharam com isso?
Eles nada, mas ganhámos nós, pois ficámos a saber que aquela escada conduz a um novo patamar da ganância.


segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Uma produção fictícia


A Sociedade Filarmónica “Amigos do Centro Cultural” leva a cabo a exibição da peça “O vivo que teimava em estar vivo”.
“Levar a cabo” é a expressão que melhor define o evento. Em primeiro lugar porque o dito vivo é levado à presença de um cabo da Guarda; em segundo lugar porque a apresentação acontece ao cabo de várias tentativas falhadas e frustradas, promessas, ilusões e desilusões, sonhos de glória no palco da vida e curto circuitos nas luzes da ribalta.
A peça é baseada na história verídica de um porteiro de uma sociedade filarmónica, que, ao contrário de abrir portas, tinha como missão fazer palhaçadas, providenciando para que nada faltasse ao entretenimento dos sócios da referida sociedade, até que a morte o separasse do seu posto de trabalho; para se manter vivo a si próprio e à sua sanidade mental, resolve fugir, utilizando para esse efeito como esconderijo da fuga um caixão que por ali estava, vazio, sem morto dentro.
A representação terá lugar na garagem da referida sociedade, e dada a exiguidade do espaço aconselha-se marcação prévia, ou em alternativa devem os presentes levar assento de casa, pois não se efectuam descontos a quem assistir de pé.


sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Andar à roda


Andar à roda.
Andar a roda.
Andar na roda.
Andar à roda dela.
Andar a roda da sorte.
Andar na roda da vida.
E no fim não ter nem a terminação.
Nem sequer a aproximação.

Rodar em vão.
Num vão de escada.
Numa soleira de porta.
Num peitoril de janela.
Numa janela aberta ao mundo.
Num mundo que roda sem parar.
Até à porta do fim do mundo.
Até que a escada deixe de ter degraus.


quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Conserto de Ano Novo


Uma torradeira a carvão é uma esturradeira.
Nestes casos não faz falta nenhuma um conserto de ano novo, o que faz falta é uma torradeira nova.