Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.

terça-feira, 31 de março de 2015

A cidade dos tijolos reluzentes


"All my friends were saying that the streets were paved with gold.
I couldn't wait to get there from the stories I'd been told."
(John Miles em 'Stranger in the city')

A exibição, a ostentação, as aparências, a vaidade, são o chamariz que mantém junto o enxame que serve de suporte a uma sociedade reluzente por fora mas podre por dentro.

Há quem advogue a valorização da consciência de cada individuo, mas depois aparece aquela singela pergunta: "de que serve a beleza interior se o pirilau não tem olhos?"

Mafalda, a filha do Quino, interrogava-se sobre o muito que evoluiu a tecnologia e o pouco que evoluiu a consciência humana.

Pouco? Mas evoluiu alguma coisa? O desejo de acumular ouro hoje em dia difere alguma coisa do dos povos pré-históricos? Ou é só porque usam falto e gravata em vez de uma pele de carneiro em volta do tronco?


segunda-feira, 30 de março de 2015

A trotinete


O braço doía-lhe. O cotovelo estava esfolado e a sangrar. Não que isso o preocupasse muito. Havia lá coisa melhor do que cair ao andar de trotinete.
O que o preocupava mesmo era que daqui a meia hora estaria em casa, e habituado que estava às prioridades do lugar, sabia que ia ter chatices por chegar com a manga da camisola rota. Sim, que a manga da camisola era mais importante que o seu direito a brincar.
As regras, sempre as regras, eram claras: o filho da Dona Inácia e do Senhor Jacinto não podia andar na rua a fazer aquelas figuras tristes, o que é que os vizinhos iriam pensar, valhamenossasenhora.
Previa um tempo de reclusão para a trotinete, escondida algures na despensa debaixo da saca das batatas. Durante algumas semanas passaria a ser uma trotinerte.


Sucesso


A escada do sucesso sobe-se degrau a degrau, às vezes com a ajuda de um corrimão.

sábado, 28 de março de 2015

De vento em popa


O vento dá na popa com força mas os marujos são de água doce e preferem as pedras do cais ao sal das ondas.

quinta-feira, 26 de março de 2015

A cor dos passos


Quanto mais duro o caminho, mais se agiganta a vontade.
Os passos ecoam nas mais recônditas entranhas, abrindo fendas num chão que se julgava impenetrável.
Todos os chãos, todos os muros, todos os preconceitos se julgam impenetráveis até serem derrubados.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Samouco


O termo Samouco remete-me para um imaginário do qual já não tenho memória. Era uma palavra recorrente no palavreado da minha avó, mas não me recordo do contexto, nem lhe descortino o sentido.
Era usado como um daqueles chavões com que cultura tacanha e retrógrada estava sempre pronta a amedrontar as criancinhas. Imaginava eu que fosse algo muito distante.
Afinal é já ali. Ainda este fim de semana lá estive e espero lá voltar.


terça-feira, 24 de março de 2015

Uma questão de tamanho


A questão divide opiniões. O tamanho conta?
Para uns sim, para outros não. E há quem opte pelo talvez.
Mas o próprio talvez pode ser subdividido em talvez sim e talvez não.
Divergências à parte, uma ponte, independentemente do seu tamanho, é sempre uma passagem para a outra margem.

domingo, 22 de março de 2015

Burros


Há-os de vários tamanhos e feitios, e pelas mais variadas razões.
E há também aqueles cujas orelhas são compridas.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Erva daninha


O chorão das praias é uma erva daninha.
Os chorões doutros lados quaisquer também.
É preciso tratar-lhes da saúde.
Talvez mais cedo do que eles esperam...

quinta-feira, 19 de março de 2015

Petróleo na Praia Grande?


Não sei se vão encontrar petróleo na Praia Grande, mas que a areia tem alcatrão, isso tem.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Trepar pelas paredes


Trepar pelas paredes só é possível a boas trepadeiras. Esta aqui trepa duas ao mesmo tempo e vai a caminho da terceira.

terça-feira, 17 de março de 2015

A ilha do tesouro


O mapa era claro e a cruz a vermelho no centro estava claramente visível.
Aquela era a ilha do tesouro.
Mas como ir até lá depois do barco ter ido ao fundo?

domingo, 15 de março de 2015

Os dias da beira mar


Aproxima-se a época dos dias da beira mar. O de hoje foi por terras do Sado.
Ainda estamos no início de Março e foi já o meu sexto contacto este ano com o reino de Neptuno.
A época vai ser longa, tenho por isso que tratar da preparação física.

sábado, 14 de março de 2015

A mosca


Bzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
Bzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
Bzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
Bzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz

- Que estás a fazer
- A escrever.
- Sobre o quê?
- Sobre moscas.
- E é só isso? Bzzzz?
- Enquanto a mosca voar é.
- Hã?
- Sim, quando a mosca pousar deixa de fazer Bzz e faz Tchoc!
- Tás maluco? Olha lá, se não tens nada para escrever porque é que não escreves a dizer isso mesmo? Ou então pura e simplesmente não escreves nada.
- Mas eu tenho sobre o que escrever. Uma mosca é um assunto tão sério como outro qualquer. Conheces aquela quadra do António Aleixo que é assim:
Uma mosca sem valor
Pousa com a mesma alegria
Na careca dum doutor
Como em qualquer porcaria.
- Não compares o António Aleixo com a porcaria do teu escrito.
- Aha, tás a chegar lá, vês? Apesar de burro, de vez em quando tens umas ideias boas. É isso mesmo, porcaria. Há pessoas que são uma autêntica porcaria, mas que têm outras à volta atraídas como moscas. E é sobre essas moscas propriamente ditas que eu quero escrever, sobre a porcaria fica para outra altura.


sexta-feira, 13 de março de 2015

Trepadeiras


O instinto de sobrevivência manda que se suba, portanto ao fim de um certo esforço que durou digamos, algum tempo, chegaram ao cimo, que é como quem diz, chegaram ao ponto mais alto que podiam chegar, porque acima do cimo não há mais nada, de modo que o destino que lhes estava traçado era ficarem por ali, visto que subir mais não podiam e descer não fazia sentido porque tinham acabado de subir.
Será que vai ser mesmo assim?

quarta-feira, 11 de março de 2015

Pedras rolantes


Angie, Angie
When will those clouds all disappear?
Angie, Angie
Where will it lead us from here?
With no lovin' in our souls and no money in our coats
You can't say we're satisfied
But Angie, Angie
You can't say we never tried
(The Rolling Stones)

terça-feira, 10 de março de 2015

Roupa suja


Antigamente era aqui e em sítios como este que se lavava a roupa suja.
Depois do antigamente e antes do presentemente passou a lavar-se em máquinas de lavar.
Presentemente lava-se em redes sociais e em meios de comunicação em geral.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Solidão


Aqui não há a possibilidade de confundir a árvore com a floresta. Apesar de dominar a paisagem do alto do monte, a árvore raquítica e enfezada está só.
Acontece o mesmo com os humanos, quem tem alguma diferença tem de viver acompanhado da sua solidão. A sociedade é feita de iguais e para iguais.

domingo, 8 de março de 2015

Sereia



Esperava a todo o momento ver sair uma sereia daquelas águas fantasmagóricas. Isso não aconteceu talvez porque neste dia da mulher, até as meias mulheres/meios peixes estivessem de folga. 

sábado, 7 de março de 2015

A casinha


Estava-se bem ali ao Sol e abrigado da aragem, porque apesar do dia claro, era Primavera e portanto a temperatura não era muito elevada.
Tão bem que até se esquecia que tinha que ir preparar o almoço e já passava do meio dia.
Estava sentado no banco de pedra com a guitarra sobre uma das pernas e em luta com as cordas porque When I’m 64 dos Beatles não havia maneira de sair direito. Não tinha ainda sessenta e quatro, como na letra da canção, mas não faltava muito, e talvez fosse por isso, talvez fosse já velho demais para aprender alguma coisa nova.
Sobrepondo-se ao som das notas ouviu o som de passos sobre a gravilha, que se aproximam, e levantou os olhos do braço da guitarra.
Com o Sol pela frente distinguia apenas uma silhueta feminina, que avançava devagar e parou junto ao pequeno portão. Reconheceu-a pela voz quando ela o cumprimentou.
Fez-lhe sinal para entrar, pousou a guitarra e foi ao seu encontro.
- Joana, és mesmo tu? Que fazes por aqui? Há quanto tempo não nos víamos, cinco anos, seis anos…?
À sua frente tinha um rosto triste que se esforçava por sorrir. Cumprimentou-o com dois beijos, baixou a cabeça e disse:
- Tens razão, há muito tempo que não nos víamos, já perdi a conta.
Avançou até ao pequeno banco de pedra, sentou-se, olhou em volta e continuou:
- Já me tinham contado que tinhas mudado para aqui, mas nunca arranjei um bocado de tempo para vir até cá.
- Já aqui estou vai para cinco anos. A casa tem telefone, e eu também, respondeu.
Baixou a cabeça novamente e ficou em silêncio por uns instantes. Por fim disse:
- Eu sei, desculpa. Sabes, procurei-te hoje porque preciso de ajuda, vou deixar o António, aliás já deixei, e não tenho para onde ir, tens algum canto onde eu possa ficar durante uns tempos?
Foi a vez dele ficar em silêncio. A vida não parava de o surpreender. Sabia perfeitamente que resposta ia dar, só não tinha a certeza é se essa resposta seria a mais certa. Do meio do nada o passado surge-lhe à frente, um passado que ele tentava esquecer.
Ninguém sabia, ninguém podia imaginar o quanto a tinha desejado no passado, e sem sucesso, pois ela rejeitara-o. Tantos anos já passaram…
Habituou-se a viver sozinho, a usufruir da liberdade de poder fazer o que quisesse da vida sem ninguém à volta a contrariá-lo ou a quem tivesse que dar satisfações.
Estaria preparado para perder, ainda que temporariamente, essa liberdade, para ter novamente alguém em casa?
Tanto quanto ele julgava conhece-la, sabia que ela não queria nada consigo, foi mesmo a necessidade de ajuda que a levou até ali.
Pela sua parte, achou-se velho demais para ter a veleidade de voltar a pensar nela outra vez. Há dez anos desejara-a loucamente e fora rejeitado. Aprendera a lição. Era muito mais fácil conseguir tocar a música dos Beatles.
Ia ajudá-la com toda a certeza e melhor seria que ela recompusesse a sua vida o mais rapidamente possível de modo a que cada um voltasse a seguir o seu caminho.
Por fim olhou-a nos olhos e disse em tom levemente irónico:
- Sabes bem que te ajudo no que precisares, eu arranjo-te um quarto onde possas ficar à vontade enquanto precisares, só não sei é como uma senhora da cidade se vai adaptar ao campo. Mas primeiro, quem precisa de ajuda sou eu, estava aqui distraído com a música e não preparei o almoço, ajudas-me na cozinha?



sexta-feira, 6 de março de 2015

A curva no caminho


Queria dizer alguma coisa mas não sabia o quê. Ainda me virei para trás e abri a boca mas não saiu som nenhum. Retomei então o passo, contornei a curva do caminho e desapareci.


quinta-feira, 5 de março de 2015

Património de Sintra - Miradouro


Há um local na vila de Sintra com direito a placa sinalizadora na rua: chamam-lhe miradouro. Sabia da sua existência mas confesso que nunca lá tinha ido apesar de morar no concelho há mais de cinquenta anos.
O espaço pouco maior é que uma varanda, e de lá mira-se pouco: tem uma vista frontal mas incompleta do Palácio da Vila, vê-se parte da estrada que conduz à estação de comboios e pouco mais.
É apenas uma curiosidade, acho eu.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Lugares vazios


A sala encheu-se de lugares vazios. O silêncio abafou por completo qualquer outro ruído que se fizesse ouvir. 
A representação chegou ao fim, mesmo antes de ter começado.

terça-feira, 3 de março de 2015

Lisboa num dia de chuva


O céu tinha a cor das nuvens que estão prestes a desfazerem-se em chuva. O ar tinha o calor próprio de uma tarde de Agosto. O vento, sempre ele, soprava com força sobre as colinas de Lisboa e levava para longe a sensação de calor, deixando apenas a humidade do dia agarrada à pele, e era muita a pele à mostra pois andava-se de manga curta e em calções.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Ó Elvas, ó Elvas


Ó Elvas ó Elvas,
Aqueduto à vista.
Luz e sombra, a dialética da existência.

domingo, 1 de março de 2015