Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.
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terça-feira, 12 de julho de 2016

Searas ao vento


Era como se ao fundo do vale acabasse esta vida e começasse outra nova. Ficava por saber se era uma vida nova igual a esta ou diferente.
Havia mais vales, mais encostas, mais searas, sabia disso, e sentia-se culpado porque era a esta que se dedicara.
Já há muito tempo que devia ter esquecido, mas o vento que soprava sobre a seara continuava a trazer-lhe memórias de outros vales.

sábado, 2 de abril de 2016

Ontem


Há coisas de que nos esquecemos, há outras de que não nos queremos lembrar. Ficam todas arrumadas na memória num local chamado ontem.
O ontem da memória é equivalente ao amanhã da vontade: amanhã faço, amanhã começo, amanhã digo. Um local imaginário povoado de sonhos ou fantasmas, conforme os casos.
Contráriamente ao que está por vir, o que já aconteceu por vezes vem-nos à lembrança da forma que menos esperamos.

Tentava esquecer-me dela. Não havia motivo nenhum para me lembrar de nada simplesmente porque não havia nada para lembrar, tudo tinha sido um erro.
De repente, enquanto andava pela rua fora, escorrego, quase caio, e antes de dar com o nariz no chão vejo a cara dela ali à minha frente. Era imaginação a cara, mas a queda foi bem real. Tudo porque debaixo do sapato estava a origem da escorregadela e da lembrança, uma flor que alguém largara no passeio, e que eu, distraído como sou, pisei.
A flor era igual a uma que eu em tempos lhe dei, e por isso me lembrei dela. Fazemos coisas estúpidas, tentamos esquecer e depois vem um azar qualquer e trás tudo à memória.
Quanto à flor, o destino desta não foi muito diferente do destino da outra.


quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

A memória tem destas coisas


Era uma simples caminhada ao longo da costa. Parava, ficava ali uns minutos especado a ver o Sol descer lentamente sobre o horizonte, caminhava mais um pouco, parava de novo, voltava a caminhar, e assim sucessivamente ao longo de algumas centenas de metros.
Quando parava podia observar a paisagem toda em redor, porém ao caminhar tinha que olhar apenas para o chão. Estava farto de tornozelos torcidos e roturas de ligamentos. É que o caminho não era nada fácil: terra batida, pedras, buracos, regos da água da chuva, ervas, mais pedras, mais buracos…
Foi depois de caminhar mais uns metros que parei, levantei os olhos, e quando esperava voltar a ver à minha frente apenas mar, linha do horizonte e o Sol quase a pôr-se, que a vi.
Não, não vi nada, apenas pensei que a vi, tal a semelhança do aspecto da paisagem. Entre mim e a linha do horizonte um arbusto feito de ramos sem folhas, atrás do qual ninguém se podia esconder, mas onde ela fingia que se escondia de mim.
Lembras-te, estupor?
Agora não estava ali ninguém, era apenas a minha memória a pregar-me partidas.