Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.
Mostrar mensagens com a etiqueta morte. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta morte. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Horta funerária


Estragaram-me tudo. Restam apenas uns tomateiros espezinhados. As canas que eu poderia reaproveitar desapareceram, presumo que foram para o lixo. O saco de adubo que estava mais de meio continua lá sim, mas roto e sem conteúdo.
Que pedreiro é este que coloca pedras de mármore ao alto espetadas na terra, em vez de as assentar em cima do muro? Deve ter errado a vocação, devia ser coveiro. Agora basta colocar outra pedra por cima e pronto, fica ali um belo jazigo. E não há morto nenhum que se possa queixar de falta de espaço.
O único lado positivo é que eu, que sempre fui um zé ninguém, finalmente tenho onde cair morto.

domingo, 10 de abril de 2016

Um dia igual aos demais


Despiu-se rapidamente que o tempo estava frio, depois vestiu o pijama e enfiou-se dentro da cama. A magra conta bancária não lhe permitia ligar o aquecedor muitas vezes, e de tanto poupar habituou-se à rotina de enfrentar o frio. O corpo habitua-se a tudo, e além disso sempre ouviu dizer que o frio enrija os ossos.
Já de olhos fechados reviu o dia que agora terminava. Nada de novo. O microciclo diário – acordar, viver, adormecer - era em tudo semelhante ao macrociclo da vida – nascer, viver, morrer.

Podia dormir descansado.

domingo, 9 de novembro de 2014

A morte do artista


A morte, essa parte integrante da vida, está sempre presente desde o nascimento. Pertence-lhe. Como tal, o proprietário da vida, é por inerência, o proprietário da morte.
Não existe vida depois da morte, tal como não existe morte antes da vida. A única coisa que a morte faz é transformar vivos em mortos. Não transforma pessoas que não prestam em pessoas boas. São por isso completamente despropositados os discursos e elogios aquando de algumas mortes.
Mais do que a dignidade da morte, interessa sobremaneira a dignidade da vida. É a vida que tem que ser vivida, não a morte, e é em vida que se podem fazer mudanças que contribuam para o progresso, o desenvolvimento, o bem estar, ou seja, a dignidade.
Num mundo que se rege pelas aparências, a morte não foge à regra. Desde logo na forma de vestir o morto. Os estereótipos da vida prolongam-se pela morte fora. Mas sobretudo na forma como se gasta dinheiro com a morte. As agências funerárias são autênticas agências de viagens. E no fundo a viagem é tão curta, apenas até ao quintal que existe em quase todas as localidades e a que chamam cemitério.
As pessoas morrem acima das suas possibilidades. Se há os que vão a funerais apenas para serem vistos, há os que pagam funerais apenas para impressionar quem lá vai.
As aparências na morte reflectem as aparências com que se tentou mistificar a vida.


sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O último vôo do pássaro ferido


Morrer é um destino comum a todos os pássaros. Não há forma de escapar. Mas, por qualquer razão desconhecida, não lhe apetecia morrer. Pelo menos para já. Apesar de isso ser uma forma de se livrar das dores na asa.

A vida, mesmo a de um pássaro, ou sobretudo a de um pássaro, é uma luta constante. Contra os inimigos que de todos os lados surgem. Não há um minuto de descanso, é preciso estar permanentemente alerta. Gostava de conseguir ter tempo para parar e pensar.

Apenas isso: apenas parar, não ter de estar com os sentidos todos alerta para prevenir qualquer ataque, e poder pensar.
Neste momento queria pensar sobre a razão que o levava a não querer morrer. Mas ao longo da sua curta vida de pássaro houve tantas situações em que também quis parar para pensar e não foi possível. Teve de se limitar a agir. Sem saber se bem, se mal.

É estranho um pássaro pensar sobre o bem e o mal. Numa vida de pássaro as coisas não têm de ser boas ou más, apenas são. Além de que é tudo relativo.
É bom conseguir alimentar-se, mas se calhar a lagarta que foi comida não achará isso bem.
É bom continuar vivo, mas o predador que falhou o alvo e ficou com fome talvez não goste da ideia.

Mas, e se o bem e o mal não se limitasse a isso? As questões básicas da existência funcionam por instinto, não têm que ser boas ou más. Mas há mais para além do básico.
Só que continuava sem tempo para poder pensar nisso.


domingo, 3 de agosto de 2014

No país das árvores anãs


No país das árvores anãs as pessoas são gigantes.
No país das árvores anãs não são só os tamanhos das árvores e das pessoas que estão invertidos, todos os valores estão invertidos.
Sobretudo o valor da vida e da morte.
Um dia virá, espero eu, que os assassinos tenham todos o mesmo destino.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

A aspirina

Bolas, hoje fartei-me de levar na cabeça, como me dói.


Ainda por cima “deram-me” mais quinze anos de permanência.
Poderei pensar por um lado “Só mais quinze anos?” ou então poderei considerar “Ainda mais quinze anos a aturar isto?” (“isto” é a vida que tenho actualmente).
Quem sou eu para dizer se é muito ou pouco. Acho que o importante é o que eu conseguirei fazer.
O que não me parece que seja muito.
Falta-me, como poderei dizer isto duma forma simpática, motivação.
O que na verdade valerá muito pouco.

Seja como for e quando for, In my time of dying espero que não toquem Led Zeppelin

http://www.youtube.com/v/yZgblTKscX0?

Gosto mais de Run with the wolf, dos Rainbow.

http://www.youtube.com/v/STQuHx2YUxs?

sábado, 18 de setembro de 2010

A pena, a morte e a pena de morte

A pena

“Numa mão sempre a espada e noutra a pena”
Luís de Camões, Os Lusíadas, canto VII


A pena esteve desde sempre associada à morte.
A mão que segura a pena que escreve é a mesma que empunha a espada que mata.
Temos pena de quem morre, porém inventámos a pena de morte.
Depenar uma galinha implica matá-la primeiro.
Vários usos para as penas poderiam ser referidos, como por exemplo a almofada de penas, todos eles no entanto implicam a prévia morte dos seus anteriores e legítimos proprietários, as aves.

“O pavão de hoje é o espanador de amanhã”
(autor desconhecido)

A morte

“A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome para qualquer fim”
José Afonso, A morte saiu à rua

Estar morto não é o contrário de estar vivo, como foi alarvemente dito um dia.
Estar morto é uma consequência e uma continuação de se ter estado vivo.
Há mortos que continuam vivos nos nossos pensamentos.
Só morre quem viveu.
Não existe vida eterna, logo quem vive tem de morrer.
Morrer custa muito, sobretudo para quem está (continua) vivo.
Há quem não goste de morrer e prefira continuar vivo. Feitios.
A morte é um negócio. A natural, para os cangalheiros. A não natural sobretudo para o maior fabricante mundial de armas.

A pena de morte

Quando a pena se junta à morte, temos pena mas cria-se a pena de morte.
A pena de morte existe por todo o lado, é um facto.
Há pessoas condenadas a morrer porque tiveram o azar de estar à hora errada no local errado, o caminho da bala disparada por um qualquer assassino assaltante.
Há pessoas condenadas a morrer porque tiveram o azar de estar à hora errada no local errado, o caminho de um carro guiado por um qualquer condutor irresponsável e assassino.
Houve pessoas condenadas a morrer porque tiveram o azar de ter nascido em países possuidores de bens como ouro, canela e marfim, bens esses cobiçados pelos poderosos assassinos de então.
Há pessoas condenadas a morrer porque tiveram o azar de nascer em países possuidores de petróleo, pretendido pelos poderosos assassinos actuais.
Há pessoas condenadas a morrer de fome porque alimentá-las sai muito caro. dinheiro suficiente para isso, como porém é impossível (ao dinheiro) estar em dois sítios ao mesmo tempo, quem nos (se) governa prefere com ele alimentar contas na Suíça e em offshores do que alimentar pobres famintos.
Houve pessoas condenadas a morrer pela justiça divina, aplicada por seres humanos. Os maus, quando morrem, têm à sua espera do outro lado o caldeirão e o tridente do diabo, por isso não deveria ser preciso fazer nada, mas, não vá o diabo tecê-las e isto da religião ser tudo uma treta, é conveniente aqui deste lado dar uma ajudazinha. O que só prova que nem os próprios apregoadores das tais verdades acreditam naquilo que apregoam.
Há pessoas condenadas a morrer pela justiça do direito penal. Até têm direito a um padre nos últimos instantes de vida. Não é bem justiça divina mas anda lá perto, é quase como se fosse.
O homem, enquanto foi um animal irracional semelhante aos macacos a partir dos quais evoluiu, matava para comer. Depois, com a evolução descobriu a existência de valores e passou então a matar para se alimentar a si e aos seus valores.

Na vida e na morte, como em tudo o resto, há desigualdades. Está tudo mal distribuído.
Dependendo do ponto de vista, isto pode ser uma causa ou uma consequência de todos os males e problemas que existem pelo mundo fora.
E era tão fácil resolver estes problemas. Bastava que a morte estivesse mais bem distribuída.
Não é preciso andar por aí a matar mais gente, bastava que houvesse uma melhor distribuição. Há tanta gente boa que morre. Se fosse possível salvá-los e se começassem a morrer mais dos outros...