Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Elevadores e companhia

Eu esta noite tive um pesadelo
Sonhei que era apenas um processo
Pousado num armário com desvelo
Mas preso com agrafos em excesso.

Eu hoje quase fiquei sem cabelo
Quando vi como era o novo acesso.
Ascensor? Pois agora já nem vê-lo.
O degrau está de novo de regresso.

Já não tenho mais vontade de subir
Degraus que não levam a nenhum lado.
A vontade que eu tenho é de fugir.

Só não vou por causa do ordenado,
E a reforma que ainda está pra vir.
Por isso vou suportar este fado.

Um dia, no princípio do longínquo ano de 2005, os colaboradores do banco X na avenida Y na cidade Z chegaram ao local de colaboração e encontraram o elevador avariado.

O banco X é um banco da nossa praça. Não refino o nome porque acho que nem a miserável publicidade neste miserável texto que quase ninguém lê eles merecem.

O local de colaboração está para os colaboradores como o local de trabalho está para os trabalhadores. É um local onde se passa uma grande parte dos dias úteis. Sim, porque há dias inúteis.
Conheço alguns que mesmo em dia inúteis iam até lá. Mas esses não eram colaboradores, eram colaboracionistas. E não andavam de elevador, andavam de Renault Megane ou Ford Mondeo, mas tinham a ilusão de que um dia iriam andar de Audi ou BMW.

Para que não pensem mal do banco X devo referir que sempre teve muita consideração pelos seus empreg... , quero dizer, colaboradores. Tomara que todas as empresas fossem assim. Este banco promoveu todos os seus funcionários. Todinhos, sem excepção. Foram todos promovidos de trabalhadores a colaboradores.
Está bem que não ganharam nada com essa promoção (muito pelo contrário), mas também o que é que isso interessa? É preciso não esquecer que estamos a falar de um meio em que se vive das aparências.

Bem, voltando ao elevador, a avaria estendeu-se por uma semana. Uma contrariedade apenas, no meio de tantas outras no dia a dia. Pressa em arranjá-lo para quê? Os camelos, ou melhor, os colaboradores estavam lá para subir (e já agora para descer também, caso não quisessem lá passar a noite).

Este episódio passou-se ao fim de longos 25 anos de trabalho, ou colaboração, já nem sei bem, em que o espectro das reformas antecipadas pairava no horizonte de muitos dos colaboradores. Para conseguir vir-me embora com a sanidade mental intacta, tinha que me fazer passar por maluco. Parece contradição. Mas não é.

As musas da insanidade ditaram-me o soneto que encima este texto. E eu aproveitei a oportunidade para mostrar mais uma vez o quão farto estava daqueles anos todos. Para isso imprimi-o numa folha com letra tamanho 14 para se ver bem e colei-o na parte lateral do meu monitor, substituindo uma outra folha que dizia: “Você disse urgente? AH AH AH”