Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A escada

                                                           Trafaria, Forte da Trafaria, 13 Março 2013

A escada há muito que precisa de reparação. Tal como o corrimão, as paredes, o chão, enfim, tudo.
Eu também, mas continuo a subi-la e desce-la todos os dias.
Quando um dia deixar de a subir e descer, então já não precisarei de reparação.
Nem (d)a escada.


quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O papel higiénico

                                                           Mem Martins, 28 Dezembro 2012

Só lhe vinha à cabeça aquela anedota, mais velha que o cagar, do papel higiénico que nunca rasga pelo picotado.

E era isso mesmo que o trazia ali neste momento: o cagar. Desfazia-se em merda, fruto das muitas misturas comidas e bebidas nos últimos dias.

Além da caganeira talvez também estivesse bêbado, pois com a tripa às voltas, apenas se conseguia lembrar de uma anedota a que não achava graça nenhuma, porque o queria mesmo era um pedaço de papel higiénico, mesmo que não rasgasse pelo picotado.


terça-feira, 29 de outubro de 2013

Ondas verdes

                                               Alentejo, Barragem de Santa Clara, Setembro de 1994

Já abri umas dez gavetas e nada, não consigo encontrar. Bom, não é bem assim, eu nem sequer tenho dez gavetas cá em casa, é um exagero eu sei, quero eu dizer que já abri muitas gavetas à procura de uma carta que preciso com urgência e não encontro.
Fechei esta com estrondo e abri a seguinte. Tirei para fora tudo o que lá estava dentro e recomecei com a procura. Fui pondo os papéis um a um de volta na gaveta à medida que os ia vendo, até deparar com um envelope. Pelo volume devia ter várias coisas lá dentro.
Abri-o. Eram fotografias. Não era isso que eu procurava, mas olhei-as de relance enquanto as voltava a por dentro do envelope. Até que os meus olhos ficaram presos numa delas. Segurei-a com as duas mãos, sem tirar os olhos dela, e sentei-me numa cadeira.
Lembrava-me bem de a ter tirado. Lembrava-me do local, lembrava-me do dia, lembrava-me de…
A encosta ficava sobranceira à margem da barragem. O arvoredo, acompanhando a curvatura suave do declive formava como que ondas que se estendiam até ao sopé da encosta, mesmo junto à linha de água. Na margem oposta da pequena enseada, eu, a máquina fotográfica e…
Lembrava-me até bem demais. Lembrava-me tão bem que ali sentado, fui desenrolando o novelo das memórias, calma e vagarosamente, até ser chamado à realidade pelo toque do relógio de parede do vizinho.
Bolas, o banco quase a fechar e eu ainda à procura da porcaria da carta.


segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O náufrago

SOS.
Naufraguei.

                                                           Sintra, Praia Grande, 19 Dezembro 2012

Quis navegá-la mas a danada foi mais forte do que eu e deitou-me ao chão, que é como quem diz, ao mar. Chão queria eu ter agora, onde pudesse pôr os pés, nem que fosse uma minúscula ilha só de areia e com uma palmeira no meio, mas nada, isto é, nado, pois é só o que me resta fazer, o que eu queria mesmo dizer é não há coisa alguma além de água.
Bem, excepto esta garrafa.
Não percebo nada de ondas, aliás nunca percebi. E esta aqui era enorme, devia ter no mínimo um metro e sessenta bem medidos, cabelos compridos castanhos, olhos claros, e derrubou-me num instante.
Sim, eu sei que sou um marinheiro de água doce, onde nem ondas há, mas esta não era constituída só por água, tinha cauda de peixe, tipo sereia, e acabou comigo em três tempos. Bom, quer dizer em três tempos e meio, porque eu ainda dei um bocadinho de luta.
Agora resta-me esta garrafa, vou escrever uma mensagem, esta mensagem, colocá-la na garrafa e atirá-la ao mar.
Que estúpido, no mar já ela está.
Vou dizer que estou mais ou menos aqui, são as únicas coordenadas que conheço, sei que é um bocado vago mas pode ser que ajude a localizar.
Com um bocado de sorte um dia a garrafa chega a terra e o pessoal do hospital psiquiátrico vem cá buscar-me.


domingo, 27 de outubro de 2013

O nosso caminho

                                                      Sintra, Rampa da Pena, 2 Julho 2013

Este é o nosso caminho, que temos para percorrer. Empedrado, escorregadio, inclinado, difícil portanto.
E o que já deixámos para trás? Íngreme, cheio de curvas, difícil também. E no entanto chegámos até aqui. Não sabes como? Nem eu. Não sabes porquê? Eu também não. Não sabes para quê? Também não faço ideia.

                                                  Sintra, Rampa da Pena, 2 Julho 2013

E isso interessa? Se interessa porque é que vieste até aqui, mesmo não sabendo as respostas? A procura de respostas que não são impeditivas de te deixarem percorrer o caminho apenas te podem atrasar. Como vês, mesmo não sabendo essas respostas conseguiste percorrer o caminho, bastou a tua vontade.

Daqui para a frente não vai ser nem mais fácil nem mais difícil, vai ser diferente. Não percas tempo a tentar saber quanto falta, ficarás a saber quando chegares. Até hoje só conseguimos chegar até aqui, portanto é aqui que temos que estar. Haverá talvez bifurcações, tal como já encontrámos no passado. Não me sigas nem vás à minha frente. Mantém-te a meu lado e qualquer um dos caminhos que escolhamos será o correcto.

Estamos no meio do nevoeiro mas isso não é desculpa para nos perdermos. Juntos encontramo-nos sempre.


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Um banco de jardim

                                                   Lisboa, Belém, 25 Fevereiro 2012

O banco de jardim era velho,
A vontade de sentar nele era nova.
Os passos caminhavam vagarosos,
Os corações batiam acelerados.
As palavras confundiam-se com o silêncio,
O transito fazia ouvir o seu ruído.
Os corpos, na expectativa, pararam,
Os pensamentos, extasiados, continuaram.
As pernas cansadas sentaram-se,
Os egos enaltecidos levantaram-se.

O calor do Sol alegrava-o,
A frieza dela aborrecia-o.
Decidiram trocar o banco comum,
Pelos seus caminhos particulares.
Ele seguiu de mãos nos bolsos para o norte,
Ela de cigarro na boca para o sul.
O banco de jardim, esse, ficou lá.


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O Rio

                                                       Lisboa, Rio Tejo, 13 Outubro 2013

Um rio de águas mansas, por mansos cidadãos é atravessado. Nem a proximidade do Terreiro do Paço é inspiradora.

Mais fotos em breve num Picasa perto de si.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O Casamento dos Pequenos Burgueses

Vão viver sob o mesmo tecto
Até que a morte os una.



Cada vez gosto mais do Chico Buarque.

domingo, 6 de outubro de 2013

A grade

                                               Lisboa, jardim de São Pedro de Alcântara, 11 Agosto 2013

Porque me detenho aqui, por detrás destas grades?
Estou livre, sou livre, posso deixá-las quando quiser.
Posso sair pela porta onde não cheguei a entrar.
Posso libertar-me do pensamento, passar através das grades e ver a minha figura aqui sentado a olhar para estas grades.
Posso fazer isso tudo e muito mais, mas não faço.
Continuo aqui estupidamente a olhar para estas grades.


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Casa com vista para a imensidão

                                                          Peninha, Sintra, 13 Setembro 2013

As portas fecham-se, mas as janelas abrem-se.
No entanto as paredes continuam a suportar o peso do telhado

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Camille Claudel

                                               imagem copiada de wikipedia.pt

Nunca tinha ouvido este nome. Desconhecia totalmente a existência desta personagem. Mas ontem falaram-me dela, a propósito de um poema.
Procurei na net e encontrei múltiplas referências a uma escultora com este nome. Não sei se é a mesma pessoa que procuro ou apenas alguém com o nome igual, pois não encontrei referência nenhuma a poemas escritos por esta senhora.

Abri uma das páginas que me apareceram e devo ter ficado um minuto pelo menos embasbacado a olhar para a foto da escultora. É completamente absurdo eu falar e escrever sobre isto mas vou fazê-lo.
Eu conhecia aqueles lábios. Ou melhor, conhecia lábios como aqueles. Fiquei fascinado pela fotografia. E no meio de uma imagem banal o que para mim sobressaia eram os lábios. De alguém que eu não conhecia, de quem nunca tinha ouvido falar, que não sabia quem era.

Depois li a sua história. O fascínio transformou-se em admiração. Até que finalmente compreendi aqueles lábios. Os lábios da loucura.
Nunca me tinha dado para fazer associações de ideias deste género, mas esta não consegui deixar passar em claro.
Eu conheço lábios como aqueles, e temo pela sua loucura.


Tenho que fazer uma correcção. Disse imagem banal, mas não quero tirar o mérito à fotografia, que acho extraordinária. Banal no sentido de que à primeira vista é simples, um vulgar retrato. Olhando bem, para mim não é, tem muito que contar aquela foto.