Escritos na varanda
Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.
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terça-feira, 14 de fevereiro de 2017
Alice no jardim da Celeste
- Coelho, que fazes aqui?
- Estou à procura da saída.
- Então porque é que entraste?
- É a mesma coisa, quando se sai de um lugar, entra-se noutro. E tu, porque estás aqui?
- Estou à procura da chave.
- Qual chave?
- Oh, é uma história muito longa....
- Sim, sim, sim, já sei, mas agora não tenho tempo para a ouvir.
- Pois, estás atrasado como de costume.
- Atrasado? Eu não estou atrasado, quem está atrasada é ela.
- Ela? Ela quem?
. Nada, nada, nada, o que queria dizer é que aqui não há chaves, é melhor procurares noutro lado.
- Qual lado?
- Sei lá, onde houver fechaduras talvez existam chaves, é como o fumo e o fogo. Aqui não há nem uma coisa nem outra.
- Ohh, eu queria tanto entrar.
- Então sai, já te disse que é a mesma coisa. E depressa que ela está chegar.
Vindo de muito longe começou a ouvir-se uma voz a cantarolar "...Giroflé, giroflá..."
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
Da geometria das coisas
Às vezes fico minutos, horas até, a imaginar coisas. O ponto de partida é sempre o mesmo: linhas. Linhas que avançam, que recuam, que se cruzam. Quase tudo serve, os padrões dos mosaicos do chão, as linhas das paredes, do tecto, as sombras, as silhuetas. os contornos.
Quando não há nada a dizer, falo sozinho.
Quando as palavras são mal recebidas, penso.
Quando as frases são mal interpretadas, imagino.
A minha figura preferida é o quadrado. Daqueles bem redondos.
segunda-feira, 18 de julho de 2016
Poquemerda
A última réstea de esperança apagou-se. A manipulação de massas afinal é mais fácil e mais efectiva do que eu poderia supor.
Sim, o barco afundou-se já há cem anos, mas a orquestra continua a tocar, cada vez mais desafinada é certo, indiferente ao seu próximo e inexorável fim.
domingo, 27 de setembro de 2015
Encapotado
A memória tem sombras que a própria memória não memoriza. Diluem-se num horizonte vago e distante cujas brumas se desfazem nos recantos da imaginação como vagas espraiando-se na areia em noite de calmaria.
Das suas entranhas saem personagens que habitam de forma fugaz os sonhos delirantes de quem partiu par anão voltar.
sábado, 8 de agosto de 2015
Folha verde
O que é que eu vou escrever hoje?
Tenho uma folha verde à minha frente e não me ocorre ideia nenhuma. Ainda se fosse uma folha em branco, haveria de encontrar alguma coisa para escrever, agora verde...
Já sei! Vou escrever sobre o vermelho.
Nunca pensei que alguma vez na vida fosse capaz de dizer isto, mas pela primeira vez gostaria que os lampiões ganhassem um jogo. O de amanhã.
terça-feira, 12 de maio de 2015
Indecisão
Não me lembro de alguma vez ter subido esta
escada. Nas várias vezes que aqui passei, fi-lo sempre a descer. Porém, o que é
curioso, nunca vou ter ao mesmo sítio, de cada vez que lá passo vou sempre ter
a um local mais abaixo, cada vez mais abaixo, como se um novo lanço se abrisse rumo
às profundezas da terra a cada nova descida.
Deve ser problema meu com certeza, porque a
escada parece-me normal.
Talvez que se eu a subisse…
Não me posso esquecer é que quanto mais se
sobe, maior é a queda!
quinta-feira, 16 de abril de 2015
Nuvem passageira
Parece mesmo uma nuvem, e possivelmente é.
Mas devia ser uma nuvem passageira, isto é, uma nuvem que leva passageiros, de preferência
para longe daqui. Talvez tivesse lugar vago para mim.
E se fosse um OVNI, vindo de outra galáxia?
Isso é que era…
terça-feira, 14 de abril de 2015
O vazio
Um último adeus à janela. Depois o vidro
fechou-se que a noite estava fria. O carro arrancou, primeiro devagar, depois
mais rápido à medida que os quilómetros iam passando. Acelerou, embora não
tivesse pressa, não tinha horas para chegar porque não tinha sítio aonde ir.
Queria estar concentrado na condução, ter algo que lhe ocupasse o cérebro, porque
assim não pensava em mais nada.
Sim, era uma fuga, sabia disso. Sabia que
mais tarde ou mais cedo teria que voltar a enfrentar a realidade, quanto mais
não fosse porque a gasolina acabaria. Mas enquanto pudesse queria fugir aos
pensamentos que vinham atrás de si, que o agarravam pelos ombros e o abanavam,
mostrando-lhe que não tinha futuro porque o presente tinha ficado lá atrás, no
passado.
À medida que as horas iam tomando conta da
noite e o cansaço ia entorpecendo os músculos, a razão foi vencendo a
depressão. Fez meia volta, e iniciou o caminho de regresso. Pelo meio teve
tempo para se recriminar a si próprio por ter deixado as coisas chegarem ao
ponto a que chegaram.
Há muito que devia ter desistido. A
liberdade, a mesma liberdade que reclamava para si, dera-a aos seus pensamentos,
e claro está que pensamentos livres são indomáveis, deixou de ter mãos neles.
Chegou finalmente a casa. Estacionou o
carro, abriu a porta e saiu. Parecia que se sentia mais leve. Era do vazio que
sentia dentro de si.
sexta-feira, 13 de março de 2015
Trepadeiras
O instinto de sobrevivência manda que se suba, portanto ao fim de um certo esforço que durou digamos, algum tempo, chegaram ao cimo, que é como quem diz, chegaram ao ponto mais alto que podiam chegar, porque acima do cimo não há mais nada, de modo que o destino que lhes estava traçado era ficarem por ali, visto que subir mais não podiam e descer não fazia sentido porque tinham acabado de subir.
Será que vai ser mesmo assim?
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015
Os loucos de Lisboa
Os loucos de Lisboa têm uma coisa em comum com os loucos de qualquer outra terra: são loucos.
Só assim conseguem sobreviver a este mundo de loucos.
sexta-feira, 2 de janeiro de 2015
Andar à roda
Andar à roda.
Andar a roda.
Andar na roda.
Andar à roda dela.
Andar a roda da sorte.
Andar na roda da vida.
E no fim não ter nem a terminação.
Nem sequer a aproximação.
Rodar em vão.
Num vão de escada.
Numa soleira de porta.
Num peitoril de janela.
Numa janela aberta ao mundo.
Num mundo que roda sem parar.
Até à porta do fim do mundo.
Até que a escada deixe de ter degraus.
sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
O pato
Antes
de ser diagnosticado com depressão ou baixa auto-estima, certifique-se de que
não está rodeado por um bando de idiotas.
William Gibson
Só me vem à cabeça aquela velha adivinha
idiota: “O que faz um pato com uma pata dentro de um lago? Nada”.
O centro da questão aqui é exactamente o
nada. O lago também mereceria uma referência mas não aqui nem agora. Fica para
outra oportunidade.
Não é pois de admirar que o pato se veja
transformado em arroz de pato ou pato com laranja. Ou até na variante mais
moderna e low-cost de pato de maçã.
Talvez o problema sejam mesmo as companhias
idiotas, sei lá.
terça-feira, 11 de novembro de 2014
O piquenique.
Por uma razão qualquer difícil de explicar
a namorada do José amuou durante o piquenique para o qual ele a tinha convidado
na sexta. Então ele pegou na cesta, colocou-a por baixo da cabeça e fez uma
sesta.
quinta-feira, 7 de agosto de 2014
Terra, temos um problema
- Alô Terra, temos um problema.
- Aqui Terra, qual é o problema?
- Não queremos voltar!
- Como?
- Não é interferência estática, é isso mesmo que ouviram: não queremos voltar!
- Mas... vocês estão loucos?
- Loucos nós? E vocês, que falam de algo que não existe a que chamam deus, governam-se à custa de milhões de desgraçados em nome de algo que não existe a que chamam deus, matam em nome de algo que não existe a que chamam deus? Vocês são normais?
- Se não voltarem morrem aí em cima...
- Se voltarmos morremos aí em baixo. Sabemos perfeitamente que todos morremos. Vocês é que se esquecem que também morrem. E deixem-nos dizer que se morre melhor aqui em cima do que às mãos das vossas ditaduras.
terça-feira, 8 de julho de 2014
Na escuridão do dia
Há um longo caminho a percorrer. Nas
entranhas da terra, a luz do dia chega entrecortada nos seus diversos
cambiantes e sem uma parte muito importante da sua cor: o calor.
Lá, onde as raízes constroem as suas casas,
onde as minhocas se banham na lama do inverno rigoroso, onde as toupeiras
percorrem túneis escavados à força de patas vigorosas, um ser estranho e fora
do contexto, faz do ventre da terra a sua morada.
Diz que é temporário e passageiro. Diz que
é um meio. De transporte. Não passa porém de um prenúncio do fim. Quando por
fim repousar encaixotado, sob sete palmos de pedras e torrões de terra.
sábado, 28 de junho de 2014
A derrota (Três a zero)
Há dias assim, nada sai bem. A gente prepara-se com afinco, estudamos as jogadas tácticas possíveis, ou previsíveis, mas na hora do remate o esférico vai para a bancada.
Até mesmo a defesa, habitualmente tão coesa, abre espaços por onde entram os contra ataques do adversário.
Uma autêntica goleada. É que poderia falhar uma ou outra, mas logo as três ao mesmo tempo. São coincidências a mais.
Portanto a solução que resta é procurar uma quarta via.
terça-feira, 13 de maio de 2014
A curva
- Bom dia, pode dizer-me qual o caminho
para…
- Vá por ali, faça aquela curva e depois vá
sempre em frente até…
- Desculpe, mas eu nem cheguei a dizer-lhe
para onde queria ir.
- De facto eu não sei para onde quer ir,
mas também não lhe disse que o caminho o levava ao seu destino.
- Então como sabe que é indicado para mim?
Se eu chegar ao fim e descobrir que estou no sítio errado?
- Fim? Mas quem lhe disse que aquele
caminho tem fim?
- Não tem fim? Então ainda pior, nunca vou
saber que cheguei a sítio nenhum.
- Sítio nenhum também não existe. Todos os
sítios são alguma coisa.
- Pois bem, vou dizer-lhe o nome do sítio
para onde quero ir, talvez assim me possa ajudar…
- Já o tentei ajudar, mas não aceitou a
minha ajuda…
- Mas se nem sabe o que eu lhe ia perguntar…
- Também nem sabe como ir ao seu destino…
estamos empatados.
- Acha que isso serve como ajuda?
- Se não fosse tão exigente, servia.
- Mas eu não estou a exigir nada, estou a
pedir.
- E eu estou a dar.
- Porque não me dá a informação que eu
quero?
- Porque é esta a informação que eu tenho
para dar.
- Esta conversa não leva a lado nenhum, vou
seguir o caminho que me indica, também não vejo mais nenhum…
- Não há mais nenhum.
- Porque não me informou disso?
- Porque não me perguntou.
quarta-feira, 30 de abril de 2014
Epílogo
A mola azul, farto das desilusões da vida
reciclacidou-se, atirando-se de cabeça para dentro do contentor amarelo.
O plástico transformou-se numa bela
esferográfica, com que um amante platónico escreve cartas nunca respondidas.
A mola propriamente dita, o arame, faz
agora parte do interior de um colchão de molas, pomposamente chamado de
ortopédico, colocado no quarto duma pensão a que a modernidade e a fiscalização
agora chamam motel, publicitado em cartazes de rua e na rádio local com a frase
“mesmo em dias secos, todos os sonhos são molhados”.
A mola laranja foi levada pelo marido da
dona, empresário desonesto cujo sucesso medíocre se deve à utilização de
esquemas perfeitamente legais. Repousa agora no escritório, a um canto da
secretária, prendendo entre os dentes meia dúzia de papéis, os assuntos
pendentes.
Escritório esse onde o empresário come as
senhoras da contabilidade.
Ironia do destino, o empresário frequenta
frequentemente o motel onde jaz o resto da mola azul, para comer as secretárias
e as meninas do departamento de marketing.
(Parte 4 de 4 da trilogia "O senhor dos arames")
terça-feira, 29 de abril de 2014
Solilóquio da corda da roupa
- Mas então este tipo foi-se embora e
deixou-me aqui sozinha? Querem ver que amuou?
- Estava à espera que eu dissesse o quê?
- Sim, que aquela conversa toda era muito
bonita, mas no fundo vai-se a ver e o que eles todos querem sei eu.
- Ainda por cima, um tipo daqueles, todo
azul vejam bem, o que é que as minhas amigas iam pensar.
- Já passaram cinco minutos, deve estar por
aí a aparecer de novo. Não era nada de deitar fora completamente, mas também só
mesmo em último recurso.
- Nunca mais vem? Bem, se não for ele há-de
aparecer outro qualquer, espero é que não demore muito.
- E depois aquela conversa lamechas do
juntos para sempre e blá blá blá. A verdade é que passar o resto da vida a
segurar o mesmo par de cuecas na mesma corda, deve ser cá uma seca…
(Parte 3 de 4 da trilogia "O senhor dos arames")
segunda-feira, 28 de abril de 2014
Monólogo do estendal
- Bolas, então deixou-me para aqui pendurado,
sozinho…
- Não há quem entenda as molas da roupa.
- Aqui para nós, que ninguém nos ouve, não
sei o que fazer, será que devo ir atrás dela? Não me pareceu muito convincente,
isto do não nunca se sabe quando quer dizer talvez, ou até mesmo sim.
- Mas… e se ela não me quer mesmo? Se eu
continuar atrás dela a insistir vai ficar a odiar-me.
- Eu fiz o que podia, quer dizer, o que
sabia, mas no entanto…
- E se eu tivesse dito que…? Ah, não, isso
não ia dar.
- Já sei, vou fingir que me esqueço dela e
quando a vir sozinha, passo por acaso ao pé dela e meto conversa.
- Não, isto já tentei uma vez com aquela
mola de madeira e não resultou. Tenho que pensar noutra coisa.
- Eu não queria gastar dinheiro, mas estou
a ver que tenho mesmo que comprar o livro “Um estendal de auto-confiança”.
(Parte 2 de 4 da trilogia "O senhor dos arames")
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