Escritos na varanda
Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.
domingo, 29 de novembro de 2015
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
Um repuxo na praça
Era quase inverno, anoitecia cedo e
arrefecia mais cedo ainda. Muito antes de os ponteiros do relógio chegarem à
hora do jantar já o prenúncio frio da noite convidava mais a ficar em casa do
que a expor-se ao vento, na praça.
No entanto, foi precisamente ali, junto ao
repuxo, que combinara encontrar-se. Havia uma razão para isso. Aquele local,
àquela hora estaria practicamente deserto, com excepção de um ou outro passante
apressado no seu caminho de regresso a casa.
Não se importava. O que tinha para dizer
não era nada de caloroso ou reconfortante. Era antes a fria despedida da
desilusão.
Sim, sentia-se desiludido, frustrado e
cansado. Sobretudo cansado de remar. Há meses, anos, que remava cada vez com
mais vigor na tentativa de se aproximar. O que acontecia era que cada vez
estavam mais longe porque a corrente da indiferença e do desprezo eram mais
fortes.
Sim, perdera, e por muito que lhe custasse
tinha que o admitir e parar de uma vez por todas, antes de se cansar mais.
quinta-feira, 26 de novembro de 2015
É por ali
Há encruzilhadas com que nos deparamos e nas quais temos dificuldade em encontrar o caminho certo.
É por ali, achamos nós.
É por ali, sugere alguém apontando um caminho diferente.
É por ali, assegura outro alguém, seguro da sua certeza, indicando um outro caminho.
O caminho certo é sempre por ali. Resta saber qual deles.
quarta-feira, 25 de novembro de 2015
Da utilidade das coisas
Entre muitas utilidades que tem a fotografia está também o facto de nos mostrar pormenores até aí desconhecidos.
Já passei no Rossio em Lisboa milhares de vezes, Já olhei também várias vezes para esta foto (e outras similares) tirada em 2013. E eis que hoje a amplio e vejo que tem ali um relógio no qual nunca tinha reparado.
Só por isso já valeu a pena ter tirado a foto.
terça-feira, 24 de novembro de 2015
segunda-feira, 23 de novembro de 2015
Dois dedos de conversa
O Ti Manel da Azinheira não gostava que
parassem ao portão da sua propriedade. Dizia que dava azar.
Mas o Ti Manel estava morto e não havia com
que se preocupar, por isso foi ali mesmo que fez parar o rebanho. Havia erva
com fartura, suficiente para entreter os animais por alguns minutos enquanto
esperava pela camioneta da carreira. Lá dentro, esperava, vinha a sua amada de
regresso da vila. No caminho até à aldeia teriam tempo de por a conversa em
dia.domingo, 22 de novembro de 2015
A vela
Não fui eu que a acendi. Foi ela. Com que
intenção não sei, talvez fosse para me agradar. Ela sabe que eu gosto de velas.
Não me passou pela cabeça nem um minuto que
fosse para criar um ambiente romântico. Não há qualquer tipo de romantismo
entre nós. Talvez ela também gostasse de velas e eu nunca tivesse reparado.
Depois sentou-se a meu lado, tirou os
sapatos, colocou as pernas sobre o sofá e encostou a cabeça no meu ombro. Quando
se sentiu instalada e confortável, disse apenas: não te mexas, quando eu
adormecer tapa-me e deixa-me ficar aqui.
quinta-feira, 19 de novembro de 2015
A mudança II
Mais uma mudança, mais uma viagem. Uma vida
velha a (re)começar de novo.
Ainda não mudei quase nada e já me doem as
costas e as pernas de tanto subir e descer escadas.
Parei um bocado para pensar e cheguei a uma
constatação curiosa: assim a olho, calculo que uns setenta ou oitenta por cento
dos meus pertences são pacotes de açúcar, muitos (quando digo muitos é muitos
mesmo) ainda cheios porque não consigo arranjar tempo para os esvaziar.
Estou a ficar um bocado farto disto, se
voltar a ter de mudar vai tudo fora. Da despensa à sala, passando pela cozinha
e pelo quarto de dormir, tenho pacotes de açúcar em todo o lado. Felizmente só
tenho estas quatro divisões, caso contrário sei lá até onde iria a colecção.
Quando acabar de mudar as caixas de açúcar
e as pastas de arquivo só falta o resto. E o resto é fácil, é tão pouca coisa.
quarta-feira, 18 de novembro de 2015
O cadeirão
Quando o vi, não me agradou particularmente
a ideia de o ter ali. Mais uma coisa para encher a casa, pensei. É algo que
nunca me passou pela cabeça que pudesse vir a ter, simplesmente porque é um
objecto onde nunca gastaria o meu dinheiro.
Mas depois de passar por ele duas vezes e
de o olhar de cima a baixo, mudei de ideias. Talvez possa ser útil.
Fazer planos, ordenar as ideias,
estabelecer espectativas são coisas que nunca resultaram comigo. Há sempre algo
que acontece ao contrário.
Se eu me sentar ali, e ligar o turbo para
aquilo abanar à velocidade máxima de forma a chocalhar bem as ideias talvez
seja uma boa ideia. Pode ser que resulte nalgum pensamento positivo.
terça-feira, 17 de novembro de 2015
As tábuas do meu caminho
O caminho é longo. Talvez não leve a lado nenhum, em boa verdade a maior parte dos caminhos não levam a lado nenhum. Isso só por si não é grave, na maioria das situações, sair daqui é um destino mais do que suficiente. ^
Tábua após tábua aproximamo-nos do início de um novo amanhã.
segunda-feira, 16 de novembro de 2015
Tentar apanhar o vento
Tentaram apanhá-lo. Mas ele, vento, soprou com quanta força tinha, pelos ares inóspitos que cobrem toda a terra, através dos mais pequenos orifícios, por sobre os obstáculos que lhe interpuseram no caminho.
No fim, vencedor, retirou-se para o reino das nuvens. Pelo caminho ficaram os ramos secos e retorcidos, despidos das folhas que os vestiam com cores de primavera.
domingo, 15 de novembro de 2015
O urso
Não passava de um animal. Irracional e inerte. Não raciocinava nem se mexia. Mas via as coisas à sua maneira. E custava-lhe a entender o mundo que o rodeava. Sobretudo quando esse mundo incluía humanos. Não percebia porque é que eram todos iguais.
Sabia distinguir todos os ursos que conhecia, os que habitavam na sua zona e com os quais se cruzava. Todos tinham a sua personalidade, o seu jeito próprio de fazer as coisas.
Mas os humanos faziam-lhe confusão. Tirando as aparências, a cor do pelo que lhes cobria a cabeça, a cor e o feitio das peles de outros animas com que cobriam o corpo e a que chamavam roupas, tudo o resto, o essencial, era igual em todos: todos eram superiores aos restantes seres, inclusivamente entre eles alguns eram mais superiores do que outros, todos eram donos de alguma coisa, todos viviam dentro de muros fechados à chave para se guardarem a si e às suas coisas.
Que vida estúpida devia ser a dos humanos. Não trocaria nunca a sua vida de peluche por uma dessas.
sábado, 14 de novembro de 2015
O rio que passa na cidade
Numa mesma imagem
O rio e a cidade
O fim do dia e o começo da noite
O céu e a terra
A escuridão e a luz
A ponte e a margem
A solidão e a companhia
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sexta-feira, 13 de novembro de 2015
Um lugar especial
Havia uma atracção especial por este lugar.
Era o lugar de destino preferido sempre que queria estar só. Perdera a conta às
horas infindáveis que ali tinha passado, e ao número de vezes que lá tinha ido.
Muitas em qualquer dos casos.
Ir lá talvez não resolvesse nada, nem
sequer proporcionasse nenhuma ideia brilhante. Era apenas um escape.
quinta-feira, 12 de novembro de 2015
A menina dança?
Percorri o salão, primeiro com o olhar para me certificar de que a costa estava livre, depois em passos curtos estudados, contornando as mesas, as cadeiras, as pessoas, até chegar junto dela.
Abeirei-me, inclinei-me para a frente com as mãos atrás das costas e perguntei-lhe: A menina dança?
Maria Costa olhou-me de alto a baixo primeiro, depois respondeu mostrando que a costa afinal não estava livre, pelo menos de preconceitos.
Não, disse ela, não dançava, e achava até uma ousadia e uma insolência da minha parte fazer-lhe tal proposta. Nunca as nossas duas classes tão afastadas no tempo e no espaço se poderiam aproximar nem que fosse temporariamente por meio de uma simples dança. Que não voltasse nunca mais a dirigir-lhe a palavra.
quarta-feira, 11 de novembro de 2015
Espaço cósmico
A antena paranóica está a captar qualquer coisa vinda do espaço cómico.
É uma invasão de grelhadores voadores vindos do planeta vermelho.
Do planeta vermelho vêm homenzinhos verdes com antenas.
Os homenzinhos verdes com antenas trazem os seus cães com cabeça verde e os seus gatos com olhos verdes.
terça-feira, 10 de novembro de 2015
segunda-feira, 9 de novembro de 2015
Caracolada
Primeiro que tudo foi necessário arregaçar as mangas.
Espero que a sociedade protectora dos caracóis, ou lá como aquilo se chama não me processe.
Eu juro que não os comi.
Se há aqui alguém que comeu alguma coisa foram os caracóis.
Acho que exagerei um bocado na dose.
É para evitar reincidências.
Detesto caracóis reincidentes.
domingo, 8 de novembro de 2015
A mudança
O caracol transporta consigo o que é indispensável à sua existência.
O humano transporta consigo, e com todos os outros humanos dos quais se rodeia nestas circunstâncias, o que é supérfluo para a sua degenerescência.
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
O palhaço triste
O palhaço andava triste. As coisas até
teriam graça se não fossem tão tristes. Tudo tinha a sua piada, mas ninguém lhe
achava graça.
O palhaço ria-se de tudo, até de si
próprio, sobretudo de si próprio. Mas era constantemente acusado de estar
sempre a brincar, de não levar as coisas a sério. Como se a vida fosse para
levar a sério.
Um dia alguém o acusou até de se sentir
ofendido. E era com uma brincadeira, imaginem se fosse a sério. Como se não
houvesse já coisas bastantes a separá-los, agora até uma simples brincadeira os
afastava mais.
Não era isso que queria. Por isso resolveu
que daí em diante iria ficar calado. Assim não ofenderia ninguém.
Continuaria a ser palhaço, porque isso não
se deixa nunca, a única diferença é que passaria a ser o palhaço silencioso.
quinta-feira, 5 de novembro de 2015
Pedra sobre pedra
Não sei exactamente de onde veio. Apareceu, ficou por algum tempo e depois desapareceu. Mesmo que quisesse não saberia onde procurá-la. Porque a verdade é que não quero. Não serviria de nada. Partiu de livre vontade, deixá-la ir. Fica a obra.
quarta-feira, 4 de novembro de 2015
A outra margem de lá
Iguais em tudo menos nas diferenças com que foram baptizadas.
Diferenças essas que são inexistentes, mas o povo é crente e obediente.
Acredita quando lhe dizem que na outra margem é outro país.
Obedece quando o mandam conquistar a outra margem.
terça-feira, 3 de novembro de 2015
segunda-feira, 2 de novembro de 2015
A outra margem de cá
A passagem para a outra margem é um
conceito metafísico. Não são precisas pontes, nem rios, nem sequer margens.
Dotados de livre-arbítrio, um eufemismo para
a tão necessária desobediência, cada um pode ser o que não é.
domingo, 1 de novembro de 2015
É preciso ter calma
A luta era desigual, como geralmente todas
as lutas são. Dois braços contra muitos, uns seis ou oito, não deixava muita
margem de manobra.
- CALMA, CALMA!
- TEM CALMA!
- CALMA, NÃO TE DESGRACES!
Gritavam de todo o lado os donos dos muitos
braços. Quando o cansaço se apoderou dos dois braços, os seis ou oito braços ganharam.
É assim a cobardia.
Parece que é preciso ter calma. Quando nos
fazem algo geralmente não está presente nenhum “amigo” para o impedir, os “amigos”
só aparecem para nos impedir de ripostar, para nos agarrarem e nos dizerem para
ter calma.
Sim, é preciso ter calma. Até porque há
mais marés que marinheiros.
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