Escritos na varanda
Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.
quarta-feira, 30 de setembro de 2015
Faroeste
No velho faroeste a vida valia menos que uma bala.
No novo faroeste a vida vale menos que o discurso de um político, a contabilidade de um banco, a vontade de um mercado, o empreendedorismo de um patrão, a competitividade da economia, a sustentabilidade de um ministro.
É por isto que eu torço sempre pelos índios.
terça-feira, 29 de setembro de 2015
Esta Lisboa
Esta Lisboa continua ainda a surpreender-me. Acredito que não seja exclusivo, o mesmo pode ser dito sobre outra terra qualquer. Não a conhecendo toda, julgava que a conhecia bem. No entanto há sempre um lugar desconhecido que espera por mim.
Este em concreto fica por cima de Alcântara, e embora já lá tivesse passado algumas vezes, foi a primeira vez que parei e olhei com olhos de ver.
segunda-feira, 28 de setembro de 2015
Eclipse da Super Lua
Eclipsou-se a Lua e também a cor. Estas fábricas de tinta que patrocinam os eclipses não prestam para nada. Não havia nada da cor que diziam que a Lua teria durante o eclipse. A parte eclipsada estava escura (preta) e invisível e a parte visível estava tão branca como habitualmente.
Não me parece que tenha valido a pena a espera.
domingo, 27 de setembro de 2015
Encapotado
A memória tem sombras que a própria memória não memoriza. Diluem-se num horizonte vago e distante cujas brumas se desfazem nos recantos da imaginação como vagas espraiando-se na areia em noite de calmaria.
Das suas entranhas saem personagens que habitam de forma fugaz os sonhos delirantes de quem partiu par anão voltar.
sexta-feira, 25 de setembro de 2015
Saloios
A região é saloia, mas saloia é a tua tia.
Isto aqui é gente de bem.
Penedo, mais abaixo Colares, adiante Mucifal, ao fundo outra coisa qualquer.
quinta-feira, 24 de setembro de 2015
As emissões
Este software também falsifica as emissões, só que para pior.
Não é alemão nem dá direito a indemnização milionária ao seu criador.
Só dá direito a ter de repetir a inspecção.
quarta-feira, 23 de setembro de 2015
terça-feira, 22 de setembro de 2015
Anibal
Este é o Anibal.
Anibal, cumprimenta as pessoas!
Não, primeiro as senhoras.
Eu disse cumprimenta, Anibal, não é para meteres a mão da senhora toda na boca.
Pronto, vai lá acabar o teu bolo rei.
segunda-feira, 21 de setembro de 2015
domingo, 20 de setembro de 2015
A ficção da fricção
Não há maior consenso que o do desacordo.
Um discorda do outro e o outro discorda do um. Unanimidade total, como podem
ver.
Já quanto às razões que levam a isso, as
interpretações são várias. Há razões que a razão desconhece. Ninguém pode dar o
mais pequeno palpite estando por fora da história. Podem-se fazer apenas
suposições.
Será que os opostos se atraem? Isso é mito,
funciona nos campos magnéticos mas não na vida real.
Porque é que os desacordos se mantêm no
tempo em vez de terem um fim rápido? Quais as motivações? Será que as pessoas
são masoquistas ou mantém acesa a secreta vela da esperança em ganharem. Acaso
desconhecem que este é um jogo em que só ganha quem joga para o empate?
A fricção aquece os corpos e já se sabe que
com corpos quentes é difícil pensar com a cabeça fria.
sábado, 19 de setembro de 2015
quinta-feira, 17 de setembro de 2015
A mochila
Não sabia o que esperava, mas no entanto esperava. Talvez fosse burrice, teimosia ou ausência de outra coisa qualquer para fazer, sabe-se lá. O que é facto é que esperava apesar de já ter repetido mil vezes a si próprio que não o iria fazer.
Ainda agora, em que chegou a altura de voltar a pegar na mochila, a secreta esperança continuava lá, a espreitar nos confins do pensamento.
quarta-feira, 16 de setembro de 2015
A Primavera e outras estações de comboio
Curvei-me para a frente e prendi melhor os
atacadores dos sapatos, que estavam soltos. Assim não corria o risco de
tropeçar quando saísse dali. Voltei a endireitar-me lentamente até sentir de
novo as costas apoiadas no banco onde estava sentado. Com os olhos percorri
todo o espaço envolvente, à procura de algo que prendesse a minha atenção.
Nada. Os atacadores tinham sido o último pormenor digno de nota. Tudo o resto
já estava mais que visto, há tanto tempo que me encontrava aqui.
Voltei a cabeça e encarei-a. Os olhos
denotavam o cansaço de quem está farto de esperar. Tudo o resto era imobilidade
absoluta, excepção feita aos cabelos que esvoaçavam quando uma brisa mais forte
os agitava.
Por momentos pareceu-me que ia abrir a boca
e dizer algo mas, pura ilusão, nem um só músculo se mexeu. É verdade que eu
também tenho estado calado, mas por fora, por dentro e para dentro tenho
conversado bastante, o suficiente para me manter desperto.
Olhei-a mais uma vez e interroguei-me se
ela também falaria sozinha, para dentro. É daquelas coisas que devem parecer
óbvias a toda a gente, é claro que todos falamos sozinhos, mas no caso dela,
talvez por preconceito, tive dúvidas.
A raiz do meu pensamento foi cortada pelo
aviso da chegada do comboio, através da instalação sonora. Tive vontade de me
levantar de um salto mas não o fiz pois poderia parecer que estava impaciente
pela chegada do comboio. Não estava. Estava impaciente sim mas por ali estar.
Não queria estar ali, mas os outros comboios da vida, os urbanos e suburbanos,
deixaram-me na plataforma dos de longo curso. E sem bilhete. Eu não ia
embarcar.
Não era eu que ia embarcar. Era ela.
terça-feira, 15 de setembro de 2015
O chão que piso
É
este o chão que piso e me permite avançar.
Sopro
o vento, varro as nuvens, expulso a água do mar.
Solas
rotas e já gastas fazem-me ir devagar.
Tenho
tempo, não há pressa, só não quero aqui ficar.
segunda-feira, 14 de setembro de 2015
domingo, 13 de setembro de 2015
Um monte de pedras
Parece que é monumento nacional desde 1910, parece que é reconhecido pelo IPPAR desde 1986, parece que mesmo entre a classe de arqueólogos há divergências, havendo quem o considere apenas um monte de pedras.
São muitas parecenças.
A mim parece-me apenas de facto um monte de pedras, parece-me que dei por mal empregue as quase quatro horas de caminhada, parece-me que se tivesse ficado em casa não teria as dores de calcanhar que tenho.
Estou a falar do lugar a que chamam Dolmen de Adro Nunes, na Serra de Sintra, freguesia de Colares.
sexta-feira, 11 de setembro de 2015
Limpeza ética
Interessa-me mais a vida do que o dinheiro, a ética do que a obediência, a dignidade do que o comodismo.
Por isso, e farto da quantidade de opiniões e partilhas de artigos racistas e xenófobos em relação à recente crise de refugiados que se sente na Europa decidi que o meu mural do Facebook não servirá para espalhar ainda mais tais artigos e opiniões, pelo que comecei a fazer uma limpeza: todos esses artigos que eu vir serão apagados, em alguns casos até mesmo os seus autores serão corridos da minha lista de "amigos".
Quando a questão se decide entre a vida e a morte não admito o direito à pluralidade de opiniões.
A onda
Grande é a onda que vira o barco.
Mas não grande o suficiente, há outras maiores, que batem recordes.
Recordes de altura, de pranchas, de máquinas de filmar, de máquinas fotográficas, de microfones, de pares de olhos embasbacados, de livros de recordes, de aberturas de telejornal.
Esta era uma onda sem importância, da qual, sabe-se agora, só se vem a saber depois.
quarta-feira, 9 de setembro de 2015
Seca
Olhou novamente para o relógio. Não que
precisasse de saber as horas, era só para fazer alguma coisa em vez de estar
quieto. Não conseguia estar quieto. Que seca, o autocarro estava atrasado e
estava farto de ali estar. Com um suspiro resignou-se a ter de esperar: não
havia alternativa.
Deu consigo a introspectivar-se. E não
conseguiu deixar de se recriminar a si próprio. Não havia de facto alternativa,
mas era fácil impacientar-se e reclamar, ainda que o fizesse para dentro.
O problema punha-se nas restantes situações
do dia a dia, e que curiosamente eram a maioria das situações da vida: há
sempre alternativas, mas por qualquer razão que desconhecia, deixava-se ficar
acomodado, e pior que tudo, sem protestar. Estranha forma de vida.
Com um ronco surdo, o autocarro apareceu
por fim. O mau humor passou, e com um sorriso embora tímido nos lábios entrou e
sentou-se. Sim, é sempre mais fácil descarregar nos mais fracos. Descobriu
finalmente que o que o irritava não era o atraso do autocarro, era ir perder o
seu tempo com alguém que nem merecia que aparecesse.
terça-feira, 8 de setembro de 2015
segunda-feira, 7 de setembro de 2015
Talvez um dia
Talvez um dia
Contra ventos e marés
A terra acorde seca
Sem a água do seu rio.
Talvez um dia
Quando os barcos atracarem
As cordas e as correntes
Os prendam ao próprio rio.
Talvez um dia
Quando os peixes protestarem
Deixe de haver pescadores
Deixe até de haver rio.
Talvez um dia
Para lá da Lua cheia
Não haja ondas nem espuma
No leito seco do rio.
Talvez um dia
As colunas deste cais
Se ergam, tristes, do fundo
Onde antes era um rio.
Talvez um dia
Até as próprias gaivotas
Se recusem a pescar
Nas águas secas do rio.
Talvez um dia
Deixe de haver memória
Ninguém saiba ou recorde
Que vida havia no rio.
quinta-feira, 3 de setembro de 2015
quarta-feira, 2 de setembro de 2015
A carga pronta
Metida nos contentores, num dos contentores, estava uma caixa pequena. Tinha caido de uma palete que continha muitas outras caixas pequenas. Ali ficaria até que, no final da viagem, o contentor fosse aberto e a mercadoria despachada. Então alguém repararia nela, a abriria e encontraria um par de sapatos pequenos como a caixa,
Estava encontrado o destinatário. Porque há sempre crianças a precisar de sapatos junto de quem ganha o que come com o suor do seu rosto. Ao anterior proprietário não lhe fazia falta nenhuma, era um pingo de vaidade a menos, o equivalente ao valor de um parafuso do novo carro desportivo de alta cilindrada já encomendado, comprado com todas as gotas de suor roubadas a quem produziu um contentor de sapatos.
terça-feira, 1 de setembro de 2015
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