Escritos na varanda

Imagino-me a escrever na varanda, ao fim da tarde, com o Sol a por-se no horizonte e uma bebida gelada ao lado. Como eu nem sequer tenho varanda, tudo isto é ilusão.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Verde sombra


Uma sombra de dúvida, verde como o verde que nos rodeava, perpassou pelos seus olhos. Apesar do ruido consegui ouvir os seus olhos a dizerem que não.
A boca mantinha-se fechada, eram apenas os olhos que falavam. A resposta era sempre a mesma: não.
Procurou uma pedra e depois sentou-se. Ali ficou olhando demoradamente em redor, fixando cada pormenor.
A boca por fim falou, mas não disse nada que os olhos já não tivessem dito. Pareceu-me a mim que a boca falou com muito menos convicção do que os olhos, como se fosse uma desculpa, como se houvesse uma segunda intenção.
Procurei outra pedra e sentei-me também. Ali fiquei a "ouver" os seus olhos.
Os salpicos de água tudo molhavam, os cabelos, os rostos, as roupas. Ajudavam a disfarçar as lágrimas.
Por fim levantou-se e eu levantei-me também. Iniciámos o caminho de regresso. Quando saimos da sombra tudo se tornou mais claro.


segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Planície alentejana


Falei-lhe da planície alentejana e quis conhecer. Mas depois de termos passeado a pé por montes e vales nunca mais acreditou em mim.
- Claro 'mor, se fossemos de carro não podiamos ir de mão dada como tu tanto gostas.
Não quis saber. E agora diz que já não me ama.

domingo, 28 de agosto de 2016

O urso


Olhava como se quisesse dizer alguma coisa, mas que pode um urso dizer? E mesmo que pudesse, quem o iria entender?
Talvez outro urso, se o houvesse. Mas não havia, a jaula pertencia-lhe por inteiro. E continuava a olhar, fitava cada par de olhos que o olhava do outro lado das grades. E o que via, além da superioridade inerente a quem se julgava superior, era o inconfessável alívio cobarde de quem se encontrava do outro lado de um fosso com vários metros de altura e ainda por cima com grades.
Os olhos saltavam de um para outro rosto, que passavam indiferentes.
Às vezes cansava-se de andar de um lado para o outro dentro da jaula, uma das poucas coisas que podia fazer, e então deitava-se a um canto, com o focinho apoiado nas patas da frente, e ali ficava a olhar sem ver nada.
Havia uma árvore, lembrava-se bem. Ficava no caminho do rio e era um dos seus locais favoritos, até que se transformou no seu pior pesadelo. Um dia ao passar por ela, sentiu uma picada forte e caiu adormecido. Acordou com a trepidação e o barulho do camião que transportava a sua jaula por uma estrada esburacada de terra batida.
Sabia que os ursos e as ursas não têm nomes, mas para si ela era a Daisy, e era com ela que costumava ir à procura de mel.
Que lhe teria acontecido? Ainda pensava nele? Também teria sido apanhada ou continuaria livre a procurar mel? Se calhar com outro companheiro…
Dizem que os ursos não choram. Claro que choram, só que ninguém sabe porque ninguém percebe nada de ursos. Às vezes de medo do humano, o pior predador da terra, outras vezes de ódio.
Estava numa jaula, logo tinha razões para ter medo. Não percebia é porque é que os humanos tinham medo, se até agora nunca tinha feito mal nenhum. Talvez estivesse na altura de começar….
Pensando bem, quando conseguisse apanhar o tratador, ia começar por lhe dar umas dentadas.
Por certo que viriam logo outros e armados com espingardas. Disparariam de certeza. Talvez lhe tirassem a vida.
Esta vida? Pois que lha tirassem, não a queria para nada.


sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Aulas de Guitarra no Grupo Desportivo Santander Totta

                                 Foto de André David

O realizador é bom, os actores, principalmente o da esquerda, e´que estragaram tudo.



As aulas são dadas pelo André David, que também fotografou, gravou, filmou e realizou.
Mais informações sobre o André na sua página http://cargocollective.com/andre_david
Os alunos sou eu e o José Inácio, e a música chama-se Malagueña, numa versão simplificada de Jorge Nolla, com arranjo para as duas guitarras do André.


quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Da geometria das coisas


Às vezes fico minutos, horas até, a imaginar coisas. O ponto de partida é sempre o mesmo: linhas. Linhas que avançam, que recuam, que se cruzam. Quase tudo serve, os padrões dos mosaicos do chão, as linhas das paredes, do tecto, as sombras, as silhuetas. os contornos.
Quando não há nada a dizer, falo sozinho.
Quando as palavras são mal recebidas, penso.
Quando as frases são mal interpretadas, imagino.
A minha figura preferida é o quadrado. Daqueles bem redondos.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

No limite


Sente-se o peso do céu. Não é por acaso que tem a cor do chumbo.
Esmagada entre o peso do ar e a fúria do mar, a essência do ser reduz-se à sua insignificância,
De nada valem as palavras porque a fúria dos elementos não permite que sejam ouvidas.
O tempo, a quarta dimensão da natureza, um dia vai revelar os seus segredos.
Vai tarde. O universo está em expansão e tudo se afasta, cada vez mais. Vai chegar um dia em que a distância será intransponível.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Bancada de trabalho, parte 4


Houve tantas coisas que correram mal. À medida que ia avançando a construção ia deparando com situações nas quais não tinha pensado, e tinha que as resolver na altura. Algumas bem, outras, conforme verifiquei depois, mal.
O principal está feito e estou satisfeito por isso. O que está à vista é apenas madeira (e respectivos entalhes e cavilhas também elas de madeira) e cola. Nada de metal, nem um prego nem um parafuso. Mas não vai ser assim até final, o tampo vai ser aparafusado, a estrutura vai ser aparafusada à parede, e se conseguir vou fazer um torno usando uma rosca de ferro que tenho.
Uma das coisas que me deixa mais danado é que me esqueci de verificar as condições da casa. Limitei-me a medir e pronto. Quer a verticalidade das paredes quer o ângulo de canto deixam muito a desejar. A própria janela não está paralela ao chão.
Olhando para a estrutura colocada naquele canto, vêm-se folgas por todo o lado o que leva a pensar que aquilo está tudo torto, o que não é verdade. Está um bocadinho fora de esquadria em algumas uniões (não todas), é um facto, mas as paredes também  contribuem muito para o desalinhamento.
Fazendo, aprendo!


segunda-feira, 22 de agosto de 2016

(In)Cómoda


A incómoda cómoda ali está,
A olhar para mim, esperando o quê?
Talvez a paciência que não há.
Na vida tudo tem o seu porquê.

Um monte de madeira mal parida
Cruzou o meu caminho sem saber.
Porque é que isto vem ter à minha vida?
O azar está-me sempre a acontecer.

É incómodo eu ter este trabalho.
Apetecia mesmo era serrar-te,
Ou até acertar-te com um malho.

O orgulho de fraco não dá parte,
E eu hei-de fazer assim, caralho:
Transformar esta merda em obra de arte.

domingo, 21 de agosto de 2016

O destino


O destino tem patas de gigante
E corre sete léguas de uma vez
O que quero está já tão distante
Mais que um quilómetro ou dois ou três.

O destino sempre a pregar partidas
Promete coisas que não vai cumprir
Da decepção ficaram as feridas
As ilusões deixaram de existir.

De corrida em corrida assim cansado
Percorro o meu mundo à deriva.
Eu sei que estou um bocado atrasado

Mas tenho a minha mente ainda activa
E depois de um sono mais descansado
Tenho à espera esta vida ‘inda tão viva.



sábado, 20 de agosto de 2016

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Dia Mundial da Fotografia


Porque hoje é o Dia Mundial da Fotografia não escrevo nada, deixo apenas uma imagem da minha autoria.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

A árvore da sombra


Quebram-se em ti os raios do Sol. Desfazem-se na tua muralha de folhas as ondas de calor que o astro rei derrama sobre a terra.
E ali, à sombra dos teus ramos conseguimos inventar um pouco de acalmia no braseiro da tarde, beber da garrafa o líquido que nos mantém vivos, e, de costas no chão e olhos fechados, sonhar que o mundo não é mais que um manto de erva à sombra de uma árvore no meio da planície.


quarta-feira, 17 de agosto de 2016

É Terça-Feira




É Terça Feira
(Sérgio Godinho)

"É terça-feira
e a feira da ladra
abre hoje às cinco
de madrugada

E a rapariga
desce a escada quatro a quatro
vai vender mágoas
ao desbarato
vai vender
juras falsas
amargura
ilusões
trapos e cacos e contradições

É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração é incapaz de dizer
"tanto faz"
parte p´ra guerra
com os olhos na paz

É terça-feira
e a feira da ladra
quase transborda
de abarrotada

E a rapariga
vende tudo o que trazia
troca a tristeza
pela alegria

E todos querem
regateiam
amarguras
ilusões
trapos e cacos e contradições

É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração
é incapaz
de dizer
"tanto faz"
parte p´ra guerra
com os olhos na paz

É terça-feira
e a feira da ladra
fica enfim quieta
e abandonada
e a rapariga
deixou no chão um lamento
que se ergue e gira
e roda com o vento
e rodopia
e navega
e joga à cabra-cega
é de nós todos
e a ninguém se entrega

É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração
é incapaz
de dizer
"tanto faz"
parte p´ra guerra
com os olhos na paz"


The clown

                                    Foto: autor desconhecido (mas com a minha máquina)

I am just a clown, always telling jokes
There's no fun at all when the clownman spokes
I don't understand what the life's about
May be after death I can find it out.

If there's dignity I should fight for it
I don't wanna be one more hypocrite
I will got no friends, I know how things work
I'm prepared to live immersed on this murk

Now is late to change, no one cares at all
I can read the signs written on the wall
And above the things I have planned to do

Lays the happiness, yes it's really true.
Just depends on me stay out of the crowd
And be as I am makes me very proud.

Escrito em 16 Agosto 2016.
O corpo, uma parte dele pelo menos, estava em Mem Martins, a cabeça estava noutro lado.


segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Bancada de trabalho parte 3


A coisa está "quase". O quase é relativo porque ainda faltam os ajustes necessários para ficar tudo alinhado e em esquadria, e depois então a montagem final.


Ainda não comprei o tampo. Tenho estado a pensar se o hei-de fazer em tábuas mesmo ou em contraplacado. Em princípio vou optar pelo contraplacado, se fosse uma bancada a série é óbvio que seriam tábuas coladas, mas isto é apenas uma bancada de brincar.


Meio metro quadrado de bancada (é meio metro quadrado exacto, tem 1m por 0,5m) não justifica o trabalho e o custo de comprar tábuas e colá-las.


domingo, 14 de agosto de 2016

sábado, 13 de agosto de 2016

Chuva de estrelas II


Trinta segundos de céu não são suficientes para ver uma estrela a cair. Tenho várias imagens cada uma de trinta segundos (é o máximo que a máquina dá sem cabo disparador) e nenhuma estrela cai.
Há muitos anos que não vejo nenhuma estrela a cair. E segundo dizem elas continuam a cair.
Vejo muitas outras coisas a cair, inclusivamente eu caio, mas estrelas é que não me aparecem à frente.
Se calhar tenho de sair da cidade e escolher uma noite sem nuvens.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Montes e vales


Eram talvez horas do Sol se por, mais coisa menos coisa. A coisa não tem hora muito certa porque às vezes o Sol põe-se atrás das nuvens, mais cedo do que o habitual portanto.
E quem diz hora do Sol se por, diz hora de jantar, que é uma coisa que muitas das vezes acontece à hora do Sol se por.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

40º â sombra


Sob um Sol escaldante
Há uma parca sombra
As folhas entrelaçadas
Que não tapam nada
E as gargantas secas
E a pele gretada
E a sede muita
De quem não bebe nada.


Sob um Sol escaldante
O metal queima
A pedra racha
A madeira arde
É a camada de ozono
É o aviso laranja
E as horas lentas
De quem não faz nada.



quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Chuva de estrelas


Estamos no mês da chuva de estrelas, e eu bem olho para o céu, mas nada vi até agora.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Está na hora


Está na hora destes gajos começarem a ganhai alguma coisa, sei lá.



O relógio é feito em madeira e é um belo presente para quem faz 93 anos.











segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Velas ao vento


Velas de esperança não faltam na difícil tarefa de navegar.
Nem o vento as apaga, porque a vontade é mais forte.

domingo, 7 de agosto de 2016

Horta IV


O espaço livre cresceu. Onde plantei cenouras só cresceram ervas, talvez porque o pacote de sementes estivesse fora do prazo. Os espinafres foram colhidos, apesar de me ter desleixado um bocado e ter deixado passar o prazo para os apanhar, ainda consegui três belos sacos com folhas.

Todo esse espaço foi cavado, e amanhã ou depois vai levar adubo para preparar o que aí vem. Para já alfaces. Desta vez experimentei plantá-las num sitio onde as visse crescer para ter uma noção do tempo que as várias fases demoram.
 
Depois vou por mais cenouras (já comprei um pacote de sementes novo), couves e espinafres. É estranho mas nunca plantei couves, e para mim uma horta sem couves não é horta a sério.

Quanto ao resto não há muito a assinalar.
A planta dos courgetes está grande mas não passa disso. Deu um courgete, nascem muitos mais mas ficam com cinco ou seis centímetros de comprimentos e fininhos como um cigarro, e não passam disso até acabarem por secar.
A planta do melão tem quase um metro de tamanho mas melões não hã nenhum.
Os três pés de pepino também estão crescidos, já foi colhido um, há mais uns quantos desenvolvidos, falta crescerem um pouco mais para serem apanhados.
Por fim os tomateiros estão um pouco raquiticos mas há bastantes tomates embora ainda verdes.

Entretanto na cabeça vão surgindo ideias para a construção de um arado e de uma fresa, adaptados a um terreno com três metros de comprimento.

sábado, 6 de agosto de 2016

Arco de pedra


Quis mostrar-te a minha força e descobriste a minha fraqueza.
Depois, bem depois não quis mostrar mais nada, mas tu continuaste a descobrir coisas, até que tive que me esconder de ti.
Talvez fosse isso mesmo que querias, que eu me escondesse. Para não me encontrares nunca mais.
Não sei porquê, mas passado tanto tempo, aqui debaixo destas pedras que emergem do ventre da terra, continuo a pensar em ti.
Tudo teria sido diferente se eu não me tivesse interessado por ti.
Agora, este arco do triunfo sob o qual me sento, representa a minha derrota.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Bancada de trabalho parte 2


A construção da bancada de trabalho vai avançando devagar, ao ritmo que a bancada da cozinha permite.
Estive a colar uma das pernas e dez grampos não me parecem suficientes, deveria ter mais.
Colei a primeira só com oito grampos e ficou bem mal colada, depois comprei mais dois mas ainda assim não me parece suficiente...

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Restos do tempo


Restos de um tempo cujo passado não chegou a ter futuro.
Horas ou minutos, dias ou anos, tudo foi varrido da memória.
O relógio perdeu os ponteiros, o calendário perdeu as folhas, as pessoas perderam a lembrança.
Ali, onde as portas não fecham e as janelas não abrem, entre um chão levantado e um tecto a cair, vagueiam formigas e moscas, osgas e aranhas, entre o pó dos anos e o lixo trazido pelo vento.
É a vida possível num local já sem vida.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Cesto sentido


Está vazio o cesto, não transporta nada
Era leve a esperança, voou com o vento

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Feira de ilusões


Feira de ilusões *

As pedras gastas e os sonhos também,
A ingreme calçada e o Sol a pique
Só uma côdea, o almoço não vem,
Na torre o relógio toca a repique.

Velhas no aspecto, as roupas usadas
Olham-nos do chão em cima de um pano,
Só mudam de mão com notas contadas,
Mais q’uma vez pra não haver engano.

A estranja nem vê, só quer souvenir,
Um velho olha, sem poder comprar:
A pouca reforma teve pr’ onde ir.

E a velha senhora ali a esperar,
Algum comprador que esteja pra vir
Salvar-lhe o dia antes de acabar.

* Há quem lhe chame “da Ladra"


segunda-feira, 1 de agosto de 2016

O pássaro


De bico afiado comendo a minhoca
Caçaste-a num salto ao sair da toca
Repousas as penas no chão empedrado
Enquanto mastigas teu belo bocado
Olhaste em volta e riste de mim
Por me veres aqui fechado assim
Desta vez as grades não são da gaiola
São trancas à porta de quem se isola.